Festa dos Sacis

 

 

Com os olhos da admiração, o sorriso da alegria e o encantamento da tradição, os moradores de Ipoema, em Itabira, a 111 quilômetros de Belo Horizonte, comemoraram, ontem, o dia do saci-pererê, com um desfile pelas principais ruas do distrito, localizado às margens da Estrada Real, e outras atividades culturais no Museu do Tropeiro, no Centro. À tarde, centenas de crianças da Escola Estadual Professor Manoel Soares vestiram a carapuça vermelha do saci e a fantasia de outros personagens, para mostrar que, em vez do Halloween, norte-americano, também comemorado em 31 de outubro, vale mais a força e a beleza do folclore nacional.

 

Ao ritmo contagiante do grupo Sons da Tropa, com agogôs, reco-reco, cincerro e outros instrumentos, os estudantes começaram o cortejo, por volta das 17h, passando pelas Rua Domingos Lage, Praça Augusto Guerra, onde fica a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, padroeira do distrito, Rua Moreira Pena, e Travessa Manoel Soares, onde fica o museu. “A comunidade apoiou a nossa iniciativa de comemorar, pela primeira vez, o dia do saci e seus amigos, em vez da festa estrangeira. De agora em diante, a data fica no nosso calendário, com muita festa, pois aqui há muitas lendas, causos e uma história rica”, contou a diretora do museu, Eleni Cássia Vieira, que mobilizou a população em torno das comemorações.

 

Durante várias paradas do desfile, os moradores ofereceram quitandas – biscoito polvilho, broas de fubá, cubu (um delicioso bolinho feito de fubá de moinho d’ água, melado de rapadura e cravo, enrolado na folha de bananeira), inhame cozido e rosca. Cada alimento era colocado, imediatamente, nas cestas carregadas por quatro adolescentes, que representavam as Sinhás do Tabuleiro, mulheres batalhadores, da época da escravidão, que juntavam dinheiro para pagar a liberdade dos negros.

 

Logo na saída do cortejo, a dona-de-casa Maria Monteiro Pena, de 67 anos, ofereceu biscoitos polvilho ao grupo de sacis, que teve todos os adereços produzidos, durante oficinas na escola. “É uma comemoração muito importante para o distrito, pois valoriza a nossa tradição. Está muito bem organizado, bem legal”, destacou. O comerciante Wilson Teixeira Campos aderiu, certo de tais eventos movimentam o distrito e atraem turistas.

 

Mais adiante, Alcina da Luz Moreira, de 67, Conceição Francisca, de 58, e Maria de Oliveira, de 57, contaram que Ipoema é mesmo um lugar mágico. “Quando eu era criança, costumava ouvir a mula-sem-cabeça urrando de madrugada. Nessa hora, eu já estava escondida debaixo da cama”, brincou Alcina.

 

Vestido de saci – de um pé a cabeça -, Ivaldo Silva, de 10 anos, aluno da quarta série, não esqueceu nem mesmo do cachimbo. “Ele é um menino negrinho, que tem uma perna só”. Ao lado, o colega Thiago Martins dos Santos, de 11, completou a história. “Já sei como fazer para pegar um saci. Quando tiver um redemoinho de vento, a gente joga uma peneira e depois prende ele na garrafa. Mas temos que ficar com a carapuça, pois ela é mágica”. Se pudesse fazer um pedido a criatura, Thiago pediria para que o saci parasse de fazer bagunça. Mais esperto, Ivaldo gostaria de ganhar uma bicicleta.

 

Além da garotada se divertindo e pulando numa perna só, participaram do desfile outras figuras do imaginário do distrito, como a mãe-do-ouro, representadas pelas jovens Viviane Aparecida, de 17 anos, Bruna Odaísa, de 11, Valéria da Conceição, de 19, e Tatiana Aparecida, de 14. “A mãe-do-ouro é um espírito de luz, que aparece no céu indicando o ouro das minas”, explicou Viviane. Ao lado, vestidas de Sinhá do Tabuleiro, as gêmeas Adriana e Andréa Pereira, de 17, Adriana Matilde da Silva, de 18 e July Stefany Nascimento Vitor, de 14, se mostram satisfeitas com mais esse enriquecimento do patrimônio imaterial de Ipoema.

 

No Museu do Tropeiro, as crianças da Escola Municipal Manoel Tomás Pinto Figueiredo Neves, do povoado de Duas Pontes, dançaram e cantaram, na presença de outro representante do foloclore, o boi-bumbá. Com muita música e animação, todos “devoraram” as quitandas oferecidas durante o desfile, prometendo mais pesquisas e muita alegria para o próximo ano. À noite, foi acesa uma fogueira no pátio do museu, não faltando mais histórias e causos sobre a mitologia rural.

 

Gustavo Werneck

 

02/11/07

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