Ferramenta Estratégica

 

 

 

 

 

A Cultura é uma ferramenta estratégica essencial para o desenvolvimento sócio-econômico de um país. O entendimento dessa afirmação vem se estabelecendo cada vez mais como um dos grandes desafios para os países em desenvolvimento nos próximos anos. Por trás disso, estão os conceitos de Indústria Criativa e Economia Criativa. Mas afinal, o que esses termos significam?

 

Ana Carla Fonseca Reis, especialista em economia da cultura que atua no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), define um deles: “Embora não haja unanimidade a respeito, normalmente são consideradas como indústrias criativas as que utilizam a criatividade individual para gerar direitos de propriedade intelectual e, em decorrência, riquezas e empregos.” Ana observa que a definição abarca setores não ligados à cultura (como patentes industriais e tecnológicas), mas desconsidera setores culturais que não geram pi nos moldes previstos pela atual legislação em vigor (como artesanato comunitário, patrimônio cultural e turismo cultural).

 

A chefe do departamento de Economia Criativa da UNCTAD (Organização das Nações unidas para o Comércio e Desenvolvimento), Edna dos Santos, explicou o conceito de Economia Criativa em uma entrevista recente para o jornal Folha de S. Paulo: “pode ser definido como o ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que usam o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos”. Ainda segundo ela,  “a economia criativa é uma área vasta e heterogênea que abrange desde os produtos artesanais até as artes cênicas, artes visuais, os serviços audiovisuais, multimídia, industrias de software etc. Seus principais subgrupos são: música e indústria fonográfica; cinema, radio e televisão; teatro e dança; pintura e escultura; edição e publicidade; indústria digital e jogos de computador; e desenho em geral, que vai desde a  arquitetura ao desenho industrial e a moda.”

 

A importância dessa economia pode ser comprovada por alguns dados fornecidos pela ONU (Organização das Nações Unidas), que estima a movimentação financeira mundial de produtos culturais em US$1,3 trilhões, o que é equivalente a 7% do PIB mundial. Somente de 1980 para 1998, esse valor saltou de US$95 bilhões para US$380 bilhões. As Industrias Criativas vêm crescendo em ritmo superior ao de outros setores da economia mundial, e a expectativa para as próximas décadas é de um crescimento médio de cerca de 10% ao ano. Mas é um potencial que vem ficando restrito aos países desenvolvidos, pois cerca de quatro quintos do fluxo econômico de bens e serviços culturais é representado por pouco mais de dez deles.

 

A Inglaterra é o país que até o momento mais explorou as indústrias criativas, que são consideradas como um setor econômico e possuem até um ministro de Estado apenas para gerir as politicas voltadas para elas. Tudo começou em 1997, quando um estudo realizado pelo governo apontou essas indústrias como a área econômica com maior potencial de desenvolvimento, num momento em que o país tentava vencer a depressão econômica de suas cidades industriais. Os diferentes setores governamentais passaram a trabalhar transversalmente para construir políticas públicas para as indústrias criativas, demonstrando que para a Economia Criativa funcionar como estratégia econômica para um país, é fundamental que ela seja planejada articuladamente por diferentes pastas governamentais como Cultura, Economia, Trabalho e Turismo.  Atualmente, as indústrias criativas representam 8,2% do PIB do país e empregam quase 2 milhões de pessoas. A Inglaterra também teve um papel divisor de águas na formulação de estudos e análises sobre esse setor, que vêm servindo de referência para outros países.

 

Mas não é somente ali que as indústrias criativas vêm comprovando sua força. Nos EUA, elas empregam cerca de 4,7 milhões de pessoas. Somente a indústria cinematográfica americana gerou em 2001 US$8,35 bilhões. Já na Índia, a exportação de softwares representou US$12 bilhões em 2004. Na Áustria, 14% dos postos de trabalho estão nesse setor. E na Espanha, a construção do Museu Guggenheim foi identificada como fundamental para recuperar a economia da região basca.

 

Para os países do hemisfério sul, a Economia Criativa é uma estratégia fundamental para promover o desenvolvimento econômico sustentável. Em comparação com a média de outros setores, ela tem o potencial de gerar mais empregos por valor investido e retornos financeiros superiores. Funciona ainda como elemento de inclusão social, pois cria empregos para classes sociais menos favorecidas e exige menos formação escolar. E pode inserir no mercado de trabalho formal trabalhadores e artistas normalmente à margem do processo (como os estilitas e costureiras de favelas e os artesãos). A Economia Criativa desempenha ainda um papel importante para a Diversidade Cultural, na medida em que extrai seu potencial justamente das culturas locais.

 

Mesmo assim, nos países em desenvolvimento, as iniciativas na área ainda são bastante tímidas. Governo, iniciativa privada e o próprio setor cultural parecem não ter ainda se dado conta da importância da Economia Criativa. A Cultura raramente é vista como área prioritária pelos governos, e como o setor financeiro tradicional se concentra em investimentos para ativos mais tangíveis, o acesso ao financiamento ainda encontra muitos obstáculos.

 

Um dos problemas centrais é a falta de dados confiáveis que dimensionem o impacto da Economia Criativa no processo de desenvolvimento. No Brasil, um grupo formado por técnicos da Universidade Federal da Bahia e de secretarias estaduais e municipais está sendo criado para calcular o PIB cultural. A última estatística a respeito é de 1995, e apontou que esse PIB representava 1% do PIB nacional.

 

Articulação, ações conjuntas e transversalidade são palavras-chave para alavancar a Economia Criativa. Christiano Braga, da APEX-Brasil, afirma que “um aspecto importante é a necessidade de um constante diálogo entre o poder público, a iniciativa privada, o Terceiro Setor e as universidades para o casamento de ações que por vezes estão dispersas, e se integradas podem ter um impacto maior na geração de resultados.”

 

Ana Carla reforça essa visão: “Desenvolvimento só se faz por meio da integração de agentes (públicos, privados, Terceiro Setor, Academia) e setores (cultura, economia, turismo, relações exteriores etc). É um jogo de time, não há como ganhá-lo jogando sozinho. Um dos principais obstáculos a essa percepção, a meu ver, é a quebra das barreiras artificiais que se consolidaram, promovendo a visão da cultura de modo transversal a todos eles. É preciso que os objetivos sejam comuns e todos trabalhem na mesma direção, ao invés de dentro de caixinhas”.

 

Uma mudança de postura do setor cultural também se faz necessária.  Lala Deheinzelin, diretora do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP, opina: “os setores envolvidos diretamente com Economia Criativa têm pouca noção do enorme poder e potencial de seus instrumentos e tampouco possuem uma mentalidade voltada para a ação transversal e integrada. Seguem na mesmice, brigando pelos pouco e parcos espaços e recursos, numa concepção de cultura que ainda é do século XIX, com seus museus, salões, saraus e teatros, ocupados por e para uma elite, funcionando algumas horas por dia, poucos dias na semana.”

 

Na América Latina, a Venezuela e a Colômbia têm desenvolvido estudos sobre a dimensão das indústrias culturais na região. E em abril de 2005, Salvador sediou o Fórum Internacional das Indústrias Criativas, durante o qual foi lançado o Centro Internacional das Indústrias Criativas, que está previsto para ser inaugurado até o meio deste ano na capital baiana e que deverá funcionar como um centro de conhecimento e um banco de informações sobre políticas e troca de experiências bem sucedidas, nacionais e internacionais.

 

Em Conceição das Crioulas, no sertão pernambucano, a Associação Quilombola vem conseguindo sustentar parte da comunidade com a venda de artesanato. A maior parte da produção é vendida em uma importante feira anual de Recife, mas outras capitais e até o exterior se tornaram mercados consumidores.

 

Já o projeto Artes-Indústria, da FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) promove oportunidades de trabalho para estilistas de comunidades pobres, viabilizando, por exemplo, a presença da coleção de moda da ONG Ação Comunitária no Fashion Business, que ocorre paralelamente ao Fashion Rio.

 

Em Salvador, a prefeitura fez neste ano um convênio com a empresa Codena para a instalação da Fábrica do Carnaval, que funcionou como primeira experiência durante 70 dias, vendendo a produção local de fantasias e adereços para o carnaval e gerando cerca de 300 empregos.

 

São exemplos que já demonstram a importância estratégica da Economia Criativa, e o enorme campo que ela tem para explorar em um país tão diverso culturalmente. Será que o Brasil vai perder mais esse bonde?

 

Cultura e Mercado

 

 

http://culturaemercado.locaweb.com.br/setor.php?setor=4&pid=438

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