Manuel Bandeira, que tocava piano, violão e discorria com desenvoltura sobre música, resolveu escrever poesia, enquanto a indesejada das gentes não vinha buscá-lo.
No poema “Para Sempre”, Carlos Drummond de Andrade questionou a
ausência das mães, já que elas são luzes que não se apagam. Parafraseando
o escritor gauche da Literatura, pergunto: “Por que Deus permite que os poetas
vão-se embora?”, dado que eles são sujeitos sociais que além de retratar seu
tempo e seu lugar, nos emocionam, nos embriagam com palavras, têm sede e
fome do infinito.
“Ser poeta é uma forma de estar no mundo”, diria Angélica Freitas. A
encontrada por Manuel Bandeira não foi uma das mais fáceis, ainda que uma
das mais pulsionais, embora ele tenha sido peremptório ao declarar: “A vida
inteira que podia ter sido e que não foi” (Poema Pneumotórax).
Não foi porque aos 17 anos ele descobriu uma doença nos pulmões – “Febre,
hemoptise, dispneia e suores noturnos” – seguido de um diagnóstico: a morte.
Na vã tentativa de lutar pela vida, afinal o poeta é um lutador (ao menos com
as palavras), perguntou: “— Então, doutor, não é possível tentar o
pneumotórax?”. A resposta é cirúrgica: “Não” (Poema Pneumotórax).
Como “A única coisa a fazer [era] é tocar um tango argentino”, Manuel
Bandeira, que tocava piano, violão e discorria com desenvoltura sobre música,
resolveu escrever poesia, enquanto a indesejada das gentes não vinha buscá-
lo. Estreou com a obra A Cinza das Horas (1917) de cunho simbolista, em uma
edição de 200 exemplares custeada pelo próprio autor. Depois dela, vieram
mais dez em versos e dezoito em prosa, além das coautorias e as traduções,
que incluem Sóror Juana Inés de la Cruz, Friedrich Schiller, José Zorrilla,
Bertolt Brecht, etc.
O terceiro ocupante da cadeira nº 24 da Academia Brasileira de Letras (ABL),
era adepto do verso livre, de uma linguagem prosaica e fluída, e cultivou temas
múltiplos em sua obra que vão desde a morte, a dor de existir, a infância, os
amigos e o amor à terra natal, por isso fez uma “Evocação ao Recife”, mas não
se trata do Recife comparado à “Veneza americana”, “Não o Recife dos
Mascates”, mas o Recife da “minha [sua] infância”, onde tinha a “Rua da
União”, “Rua do Sol” e a “Rua da Aurora”.
Depois de estrear com uma obra que trazia uma atmosfera lúgubre, em 1919,
vem à tona Carnaval e o poeta, “A gargalhar em douro assomo” (Poema
Bacanal), deseja beber e cantar asneiras. Dos trinta e três poemas, um deles
ficou bastante conhecido por satirizar os parnasianos: “Os Sapos”. Lido na
abertura da Semana de Arte Moderna (1922) por Ronald de Carvalho, o texto
foi vaiado pelo público e exaltado pelos artistas e intelectuais por sua
irreverência e ousadia.
Em busca de seu “tempo perdido”, tal qual Marcel Proust, Bandeira concebe
seu próprio relato memorialístico em 1954 – Itinerário de Pasárgada. Dedicado
aos amigos Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e João Condé, que o
impeliram a escrever, a obra é um desenho das experiências literárias do
poeta, cujo único defeito, segundo Murilo Mendes, era “ser muito curto” para
nos apresentar “tão longa vida”.
Bandeira que preferiu o lirismo dos loucos ao lirismo comedido e bem
comportado (Poética), que enternecido sorria lendo as cartas de seu avô
(Cartas de meu avô), que viu um bicho homem “Catando comida entre os
detritos” (O Bicho), embora falasse pouco, criou palavras “Teadoro, Teodora”
(Neologismo) capazes de nos transpassar.
por Luciana Bess
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