Enfraquecimento da Cultura

 

 

 

   

   

Nos últimos dias, temos acompanhado denúncias de corrupção que têm nos escandalizado. No entanto, por mais que a verdade seja incômoda, não devemos ocultá-la. Refletir a imagem no espelho que ousamos erguer diante de nós é a melhor forma de nos aproximarmos do ideal.

Na área cultural, a situação não é menos preocupante. Vivemos a era dos “eventos”, onde o efeito imediato é mais importante que tudo. Além das empresas preocupadas em divulgar suas marcas, o Ministério da Cultura e boa parte das Secretarias de Cultura se comportam dessa maneira.

Uma estratégia para combater essa política de superfícies seria promovermos uma cruzada nacional, com o apoio de instituições públicas e privadas, além do esforço dos que reconhecem a gravidade da situação.

É preciso amadurecer um conceito de cultura que nos fortaleça. cultura como formação, tomada de consciência, conhecimento de si e do outro. Uma ponte que una o passado ao futuro, fazendo do presente um tempo de redescoberta de valores.

Porém, a verdade de cada um quase nunca se apresenta, para que uma maior se estabeleça. Ao contrário das notícias de Brasília, a questão cultural é um assunto tão insignificante para a maioria, que invalida qualquer crítica.

Ainda que a insatisfação tenha aumentado, não conseguimos criar um projeto abrangente para o país. Tudo porque, diferentemente do que se passa no Congresso, em que a pendenga, por mais acirrada que seja, nos dá alguma esperança, o debate cultural é muito condicionado por motivações pessoais.

É curioso que precisemos cobrar capacidade dialógica dos homens ilustrados, muitas vezes os mais vorazes em suas posições. Necessitamos aprender a conviver com a troca de idéias, se quisermos instituir um plano que ultrapasse a disputa por verbas.

Esse quadro nos aflige, pois a cordialidade do brasileiro também serve para acalentar secretos, pensamentos nefastos. E nada cordial ele se torna frente a um adversário. Pode ser que não sejamos muito afeitos às guerras, mas a batalha cotidiana, aquela que nos faz inimigos uns dos outros, essa tem sido nossa especialidade.

Como sinal da resistência ao diálogo franco, admira que o diretor Antunes Filho, no final do ano passado, nesta Folha, ao comentar os critérios de escolha do Programa de Fomento ao Teatro em São Paulo, tenha passado por inimigo número um do mesmo programa. Desqualificar a crítica que ele fez, sem analisar as verdades que ela procura desvendar, parece a condenação do espírito civilizatório em si.

O Fomento continua em vigor -há pouco saiu uma nova lista dos contemplados, com algumas mudanças, mostrando que a discussão era pertinente, embora ainda necessária.

Quando se trata de política pública, qualquer feito pouco discutido torna-se pernicioso, sobretudo no âmbito cultural, onde lidamos diretamente com a subjetividade. Pois se espera que os mais conscienciosos, capazes de operar dentro de um terreno de reconhecida ambigüidade, sejam os que definam as diretrizes oficiais, o que quase nunca acontece.

A ânsia pelo poder deturpa uma ação projetada para a coletividade. Em nome do bem comum, impomos nossas idiossincrasias. Também não será isso uma forma de corrupção?

Talvez o teatro, em geral desprestigiado, possa ajudar a reconhecer o nosso pior, para edificarmos o melhor que hoje se cala.

Sobretudo a dramaturgia pode colaborar nesse momento, se retomar para si a tarefa de expressar o pensamento humano e suas contradições.

O teatro não deveria se contentar em explorar suas potencialidades, sem recuperar a força da palavra. Assim como não podemos permitir que o “espetáculo” da política acabe em pizza, sem termos tido uma conversa séria.

Afinal, não foram os grandes dramaturgos, de todos os tempos, espelhos de sua época? E não é disso que estamos precisando, de coragem para nos encararmos?

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