Discussões sobre financiamento público à produção cultural já foram cativas de rodas de intelectuais e bares da moda. Com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, o assunto rompeu o ciclo das elites — como se diz em Brasília — e ganhou importância política por referir-se a questões-chave para a sociedade, como a liberdade de expressão e a subordinação dos que fazem cultura ao gosto estético, ideológico e partidário de burocratas. Essa serpente saiu do ovo quando foi divulgada a proposta, engendrada no Ministério da Cultura, da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual, a Ancinav, que a pretexto de regular o setor instituía mecanismos de interferência nos conteúdos e na própria intimidade administrativa das empresas. Diante das críticas e da justa resistência à criação anacrônica de um modelo soviético de controle de parte da produção artística, o governo Lula recuou.
Mas as pontes entre a intelectualidade e o Ministério da Cultura continuam suspensas. É o que comprova o recente entrevero entre, de um lado, o poeta Ferreira Gullar, e, de outro, o secretário de Políticas Culturais do MinC, Sérgio Sá Leitão, com bate-bocas pelos jornais envolvendo até mesmo amigos históricos como o ministro Gilberto Gil e Caetano Veloso. À denúncia de Gullar de que há muita centralização no MinC, Leitão respondeu acusando o poeta de stalinista, o que terminou gerando um abaixo-assinado contra o secretário e em apoio a Gullar.
Ao entrar no debate ao lado do poeta, Caetano levou Gil a fazer a irônica recomendação de que pedissem a cabeça dele a Lula. Se qualquer mal-estar entre Gil e Caetano não resistiu a uma conversa entre os dois, o centro da questão continua vivo, exposto à discussão. Há no BNDES R$ 10 milhões para financiar filmes. O edital seria dirigido para, salvo exceções, alijar grandes nomes, punir o sucesso. A centralização na destinação dos recursos, presume-se, estaria a serviço de uma pretensa democratização cujo resultado prático seria privilegiar apaniguados, a mediocridade e aparelhados em geral. A ver.
A experiência com a Ancinav e a tentativa de controlar a imprensa por meio do Conselho Federal de Jornalismo aconselham que se acompanhe de perto a distribuição dessa e outras verbas. Pois o risco de dirigismo nessa área do governo é sempre presente.