Em dezembro de 2003, os senadores João Capiberibe (PSB-AP) e Paulo Octávio (PFL-DF) apresentaram o Projeto de Lei nº 532 que modificava as regras do pagamento de direitos autorais de trilhas sonoras de filmes estrangeiros exibidos em salas de cinema do país. A proposta foi alterada e aprovada em primeira votação em março de 2005. Em suma, o projeto que hoje tramita no Senado isenta os exibidores do pagamento dos direitos autorais de músicas que façam parte da trilha sonora de um filme.
Conforme manifestou o senador Capiberibe, a redação do projeto foi alterada e aprovada, sem seu conhecimento, em março de 2005, quando não mais pertencia à Comissão de Educação. Por esse motivo, solicitou a retirada de seu nome do projeto. Capiberibe encaminhou o pedido no mês passado, ao presidente do Senado Federal, Renan Calheiros. “Minha intenção foi atender ao que considerava uma justa reivindicação de titulares de direitos sobre obras individuais e cinematográficas que se queixavam da remessa de quantias significativas ao exterior. Infelizmente a redação dada ao referido projeto atendeu a outros interesses. Nessas condições, desejaria que meu nome deixasse de figurar como co-autor do projeto”, afirmou em nota.
Em janeiro, compositores foram ao Senado para protestar contra o projeto de lei em tramitação. Ednardo, Belchior, Fernando Brant, Jair Rodrigues e outros colegas de ofício sentaram à mesa acompanhados da superintendente do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), Glória Braga, para reivindicar o direito de remuneração sobre a execução das músicas nas salas de cinema. A manifestação reacendeu o debate sobre propriedade intelectual e abriu espaço para os defensores de todos direitos reservados.
A advogada Cristiane Olivieri, especialista em produção cultural, diz que o projeto é o que se chama de “lei que nasce com destino certo”. “Eles não podem revogar um direito autoral por simples imposição. A negociação normalmente é feita com o produtor e artista/ecad. A forma de recolhimento é que está em questão. O projeto de lei é esquisito. É loucura. Desnecessário. O que acontece é que o não pagamento estava virando norma. Mas a justiça começou a dar vitórias aos artistas. Chegaram até a fechar por um período um cinema em Salvador. E eles vêm com isso para legitimar essa prática”.
Advogado do ECAD, Samuel Cordeiro Fahel diz que o projeto viola a Constituição. O Ecad acredita que o projeto não tem mais força para ser aprovado. “Eles tentaram o lobby no apagar das luzes. Mas foram flagrados. Todos pagam direitos por exibição. O cinema não é diferente dos outros. Temos a certeza de que nenhum senador bem informado votará a favor disso”, diz o advogado.
Fahel explica também que, sendo membro da Organização Mundial de Comércio, no caso da lei entrar em vigor, o Brasil poderá sofrer sérias sanções comerciais, tais como a imposição de barreiras comerciais aos produtos brasileiros, caso seja feita qualquer diferenciação nas prerrogativas legais conferidas aos titulares nacionais e estrangeiros, em benefício específico a um restrito segmento empresarial (no caso, exibidores cinematográficos).
“Esta situação beneficia somente os exibidores cinematográficos, inadimplentes há 17 anos com o pagamento dos direitos autorais de execução pública. Este projeto foi criado logo após a derrota sofrida no dia 4 de abril de 2003, na qual o Superior Tribunal de Justiça deu ganho de causa ao Ecad, legítimo representante dos compositores, na ação proposta contra o grupo Severiano Ribeiro, Art Films e outros. Esta decisão abria um precedente para que acontecessem outras vitórias em benefício dos autores”, pontua Fahel.
LOBBY
O projeto tem o apoio da Associação Brasileira dos Multiplex e o Grupo Luiz Severiano Ribeiro. Eles argumentam que o fim da cobrança permitira a construção de 600 novas salas de cinema no país em dez anos. Já Motion Pictures Association, representante dos maiores produtores de cinema do mundo, está contra. Eles alegam que a aprovação do projeto transfere para os produtores o pagamento do direito autoral. Com isso, haverá redução nos valores remetidos por produtores estrangeiros ao exterior e, como resultado, menos dinheiro de lá seria investido no cinema nacional, segundo eles.
A contradição é que os compositores brasileiros não ganham nenhum centavo de direito autoral pela exibição de suas músicas nos cinemas dos Estados Unidos. Já os compositores estrangeiros, a maioria deles norte-americanos, recebem todo o dinheiro arrecadado aqui, conforme o projeto de lei.
ARTISTAS
Jair Rodrigues diz que o projeto é um absurdo. “Vivemos um momento de decadência dos direitos. O músico é um profissional como qualquer outro. Dependemos disso para sobreviver. Isso tudo é lobby das exibidoras de filmes. É uma indústria poderosa. Mas nós estamos atentos”.
Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado, que tem composições nos filmes “Deus é Brasileiro” e “Lisbela e o Prisioneiro”, teme que a reação dos artistas ao projeto gere uma discussão que considera “pequena demais” para a arte e a cultura.
“’Como ganhar mais dinheiro nesse mundo capitalista?’ É disso que os compositores estão falando. A defesa da propriedade intelectual já passou dos limites. A internet e novas tecnologias como a TV Digital vêm para acabar com isso. Não podemos andar na contramão da história. O artista que quer viver de direitos autorais está morto. O momento é de reação. Estamos caminhando para o fim disso. A informação é de todos e universal”, acredita Lirinha.
Cristiane Olivieri entende, apesar de ser contra o projeto, que “deveria é ser criado uma nova regulamentação que previsse concessões de direitos para determinadas produções de poucos recursos”.