Dicionário do Português Colonial.


 

“E ainda que são contrarios os Tupiniquins dos Tupinambás, não ha entre elles na lingua e costumes mais differença, da que têm os moradores de Lisboa dos da Beira.” Ao compararmos o vocabulário e uso que faziam das palavras os brasileiros dos primeiros séculos de América portuguesa com os de hoje, em muitos casos estamos tão próximos como os tupiniquins e tupinambás desta “Notícia do Brasil” relatada por Gabriel Soares de Sousa em 1587; em outros, mais diversos que portugueses e gentios.

É para esclarecer no que nos aproximamos e no que mudamos, para usos na compreensão da história, sociedade e língua do Brasil, que um grupo de professores e pesquisadores universitários de dez instituições do país e uma mais de Portugal preparam, desde o início deste ano e pelos próximos três, um dicionário do português colonial.

A empreitada é financiada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) com a rara verba para pesquisas na área de humanas de R$ 1 milhão.

A equipe capitaneada pela professora Maria Tereza Biderman, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), ainda está no começo dos trabalhos -que se tornará um dicionário “físico” de mais de 10 mil verbetes e um banco de dados informatizado-, mas já é possível constatar algumas curiosidades, que apontam para constâncias e transformações da sociedade brasileira.

Se na seara das classificações botânicas e zoológicas são dois mundos distintos que se descortinam, se no ramo da economia a abrangência e restrição de significados permitem acompanhar sua presença cada vez mais determinante na vida social, no campo do direito, cita a professora, os advogados de hoje e seus equivalentes do século 16 são tão próximos quanto os moradores de Lisboa e os da Beira.

“Seria muito interessante [o uso do futuro dicionário] para fazer pesquisas sobre o direito e a administração pública no Brasil, por exemplo”, diz Biderman. “Termos das áreas dos direitos público e privado permanecem iguais hoje aos do século 16; não mudou nada.”

A constatação, por enquanto mera curiosidade, é fruto do início do trabalho, a partir da catalogação dos textos -entre eles, o relato de Gabriel Soares de Sousa- de que sairão os sentidos, permanências e mudanças de palavras do descobrimento ao século 18.

Biderman diz esperar que um tal dicionário, inexistente no país, sirva em primeiro lugar aos historiadores, mas aposta que pesquisadores de outras áreas também poderão fazer uso do projeto.

O financiamento partiu do programa “Institutos do Milênio”, do CNPq, que busca fomentar pesquisas que envolvam pelo menos três diferentes universidades do país, de difícil execução e carentes de recursos maiores. Em 2005, de 236 propostas apresentadas, apenas duas na área de humanas foram aprovadas.

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