O ataque à arte e à cultura deflagrado pelo governo Bolsonaro não é um ataque comum. A investida vem acompanhada de delírio e ignorância, num acesso de insanidade jamais visto; um grande espetáculo de preconceito e mentiras protagonizado pelos próprios gestores dessa área – ou pelo que restou dela.
Por João Paulo*
Vivemos nesta semana o auge do pesadelo anticultural por meio de atos e palavras sem nexo com a realidade, uma triste fase de falsificação da história com potencial de destruir o senso crítico, a melhor arte deste país e o pensamento intelectual, como se o atual governo odiasse tudo que não entende e quisesse substituir a cultura por algo sem pé e nem cabeça, baseado em ideólogos obscurantistas como o astrólogo e teórico da conspiração Olavo de Carvalho, um negacionista da Ciência que vive nos Estados Unidos e tem notória influência neste governo.
Houve de tudo de segunda-feira para cá. O novo secretário da Cultura, Roberto Alvim, que havia agredido a atriz Fernanda Montenegro no mês passado, abriu um portal de onde saiu um grupo de auxiliares alucinados em termos culturais – alguns deles defensores da “teoria da Terra
Plana”, a ponto de chamar quem está certo sobre o formato do planeta de “terrabolistas”.
Todos eles muito próximos do estilo da ministra Damares Alves no quesito irracionalidade e desvario. O maestro Dante Mantovani, por exemplo, nomeado para a Funarte, diz que o “rock ativa as drogas, que ativam o sexo livre, que ativa a indústria do aborto, que ativa o satanismo”.
Rafael Nogueira, designado para a presidência da Biblioteca Nacional, e também discípulo de Olavo de Carvalho, associa Caetano Veloso ao analfabetismo, enquanto a nova secretária do Audiovisual, Katiane de Fátima Gouvêa, não exibe em seu currículo qualquer experiência na área audiovisual, mas se dedica a protestar contra obras de arte que, em sua visão, não se alinham ao patriotismo, à preservação da família e aos símbolos nacionais, como se a arte tivesse a obrigação de alimentar esses valores como se fosse uma instituição religiosa ou militar.
Na terça-feira, cartazes de filmes brasileiros foram removidos dos corredores da Ancine e do site da agência de fomento ao cinema, por determinação do atual presidente, Alex Braga. Uma tentativa de apagar da memória clássicos como “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, e “Cabra Marcado para Morrer”, de Eduardo Coutinho.
O ataque à cultura brasileira é um caso grave e preocupante, embora algumas vezes a falta de noção soe como humor involuntário. O próprio Alvim, conhecido por detratar a arte brasileira em fóruns internacionais, parece querer repetir no Brasil, a farsa do nazismo em relação à arte. A exemplo de Hitler, o secretário e sua equipe parecem preocupados em destruir toda a produção cultural que não esteja baseada nos ideais clássicos de pureza, embora Alvim tenha pouca informação sobre o classicismo, preferindo atribuir à arte seus preconceitos ideológicos, tratando a atual produção cultural como coisa de esquerdista.
O resultado dessa tragédia é o empobrecimento da cultura; é a transformação de órgãos como a Funarte em máquinas de propaganda política do governo; é a volta da censura e da ideologia autoritária como meio e fim da arte e o fechamento de incentivos e editais para produções de qualidades, deixando o Brasil fora do circuito internacional, como é o caso do cinema, em que produções nacionais, algumas delas de Pernambuco, têm conquistado prêmios de festivais renomados, como os de Cannes e Berlim.
Até agora não se sabe se a concepção medieval estabelecida nessa área é loucura ou método. De qualquer forma, a prevalência dessas ideias perdidas no tempo comprometerá o futuro da cultura brasileira, que é a alma do nosso povo.
* Deputado estadual pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e primeiro presidente da CUT Pernambuco. Eleito quatro vezes deputado estadual e depois prefeito do Recife sendo reeleito em 2004. Foi deputado federal e ex-superintendente da Sudene. Economista, professor e ex-metalúrgico.
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