Viva Sampaio! Eu quero botar meu bloco na rua

 

O artista capixaba trouxe em suas obras, além da diversidade de estilos, temas onde a narrativa em primeira pessoa tornou suas canções, quase sempre, autobiográficas.

Além de ser o mês que trouxe a tragédia ao povo brasileiro com o golpe de 64, abril também tem sua magia pura. O mês nos abençoou com um dos maiores poetas e compositores da música nacional. No último dia 13, completaria 74 anos o capixaba Sérgio Moraes Sampaio (Sérgio Sampaio), nosso herói da contracultura, o velho bandido que viveu no seu pavio do destino dando um tom cruelquando se referia ao sistema padrão do show business e mídia. Que loucura! Lá se vão 27 anos que o artista de Cachoeiro do Itapemirim foi colocar seu Bloco na Ruaem outro plano. Sérgio nos deixou no dia 15 de maio de 1994 devido a um problema de saúde e até hoje podemos seguir seus rastros no tempo através de suas marcas que se fazem presentes na alma e consciência de nosso povo.

Ainda criança em Cachoeiro quando com seu pai, o maestro e dono de tamancaria Raul Sampaio rodava o município seja em vendas, bares ou em praças, o assobio melódico do menino Sérgio já registrava a canção do próprio pai: Cala a boca Zé Bedeu, canção que mais tarde Sérgio gravaria com seu violão e seria sucesso pelo país. Ao chegar na maturidade, o artista deixou sua cidade natal para se aventurar no lugar mais desejado de todos os artistas do Brasil: O Rio de Janeiro que continuava lindo e receptivo, como sempre.

Foi um apaixonado por rádio desde quando acompanhava aqueles que se tornaram suas grandes referências, como Orlando Silva e Silvio Caldas, chegando a trabalhar na rádio de sua cidade e posteriormente em rádio no Rio de Janeiro. Sérgio Sampaio foi descoberto e lançado por outro gênio de nossa música, na época o produtor de gravadora Raul Seixas.

Enfim, são tantas histórias de Sérgio que já couberam em biografias e homenagens, mas como aqui não pretendo tornar esse artigo biográfico vamos nos ater a sua obra. Uma obra rica e diversa que vai do samba ao blues, do rock ao bolero, transformando a música quase em cenas cinematográficas que faz despertar imagens projetadas em nosso consciente.

Além do irreverente disco Sociedade da Grã Ordem Kavernista apresenta Sessão das Dez onde Sampaio junto à Raul Seixas, Edy Star e Miriam Batucada trouxeram uma obra à frente de seu tempo, Sérgio lançou outros discos e também teve suas obras integrando coletâneas lançadas na época como é o caso da coletânea do Festival da Canção sua música Eu quero Botar meu Bloco na Rua foi inserida.

O artista capixaba trouxe em suas obras, além da diversidade de estilos, temas onde a narrativa em primeira pessoa tornou suas canções, quase sempre, autobiográficas. Obras imagéticas que nos permite visualizar cada tema e cada palavra que compõe as melodias e harmonias muito bem trabalhadas.

Sergio, como poucos na música brasileira, tinha o dom de transformar suas canções em verdadeiras pinturas, retratando pessoas, sentimentos e lugares que, mesmo  desconhecendo, passamos a nos ver no centro dos cenários narrados em suas músicas. Assim se dá na canção Brasíliaque através de sua linguagem poético-musical nos mostra toda uma cidade com suas características como se estivéssemos passeando pela cidade dos planos.

Em sua letra, a viagem começa no transporte que nos conduzirá à “cidade-avião” para que na sequência, já em suas terras sentirmos o clima seco do centro oeste do país.

“…E posso dizer que começo a voar sossegado em seu avião e mesmo com o ar desse jeito tão seco consigo cantar no seu chão. Quase que me sinto em casa em meio a suas asas e dáblius e eles e eixos e ilhas, Brasília…”

Então o artista nos conta sua impressão, antes de conhecer o lugar: “…Cidade que um dia eu falei que era fria, sem alma, nem era Brasil. Que não se tomava café numa esquina num papo com quem nunca viu. Sei que preciso aprender, quero viver pra saber e conhecer Brasília…”

O compositor ainda faz referência ao lago Paranoá e seus concretos arquitetônicos, além de mencionar as quadrilhas que se instalaram nos poderes.

Já em Velho Bandido o artista nos mostra uma obra , praticamente autobiográfica.

“Eu que sou filho de um pai teimoso descobri maravilhado que sou um mentiroso, sou feio, desidratado e cruel…” Assim disse o compositor Sergio Sampaio.

Sergio ainda convivia com o desejo de ver outro capixaba, um tanto mais “mocinho” e menos “bandido” cantando uma de suas canções, mas em sua tentativa de compor a tal canção, acabou por criar Meu Pobre Blues (assim nomeada pelo próprio autor) relatando a sua incapacidade em compor um tema romântico para o já famoso Roberto Carlos que, naquele momento já havia largado seu lado rock´n roll e entrado no universo do romantismo midiático.

Disse o poeta em seu blues: “…E agora que esses detalhes já estão pequenos demais e até o nosso calhambeque não te reconhece mais, eu trouxe um novo blues com um cheiro de uns dez anos atrás e penso ouvir você cantar…”

Assim como os cantores e poetas Walter Franco, Jards Macalé, Itamar Assumpção e Waly Salomão, Sampaio foi rotulado pelo sistema padrão e tradicional como “Maldido da MPB”, um rótulo pesado de se carregar em tempos em que se andava em via única e a contra mão era o pecado. Sergio detestava rótulos e adorava transitar por todas as vias possíveis e impossíveis.

O cantor, violonista e compositor Jards Macalé no filme documentário Um Morcego na Porta Principal dirigido por Marco Abujamra e João Pimentel sobre sua própria trajetória e lançado no ano de 2009, quando perguntado sobre o rótulo “maldito”, respondeu com o desabafo que, contemplou todos os incluídos nesse termo: “Maldito é a mãe”.

Não poderia deixar de citar a composição que, nesse momento de isolamento social por conta do covid19, representa a maior vontade de todo ser humano através da frase que ficou marcada na história da música brasileira: “Eu quero Botar meu Bloco na Rua…”

Com ela deixo aqui a essência de Sérgio Sampaio, o compositor popular que bateu de frente com todo um sistema e reverbera por meio de suas canções até hoje. Eu quero Botar meu Bloco na Rua para cantar, abraçar, viver, conviver, rever, curtir, brincar, beber, dançar, respirar e para derrubar o genocida que alguns manés ainda chamam de presidente.

 

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