Cultura como negócio –

 

 

 

 

 

A cultura, enquanto negócio, não é rentável. Trata-se de assertiva discutível, mas muito ventilada entre os fazedores culturais e o público em geral. Analisemos esse aspecto, sob o ponto de vista do grande capital.

 

O artista é um ser humano como outro qualquer, o que significa que, salvaguardando-se as raras exceções, o escritor, caricaturista, pintor, ou qualquer outro profissional da arte, vive às suas próprias expensas. Já se foi o tempo em que o mecenato “despretensioso” favorecia a arte pela arte e, portanto, o diletantismo nesse campo. Vale lembrar que os antigos mecenas possuíam além do capital, herdado ou simplesmente conquistado através de uma relação qualquer de parentesco, o reconhecimento dos seus pares. Adquirir uma obra de arte implicava status e mérito: a arte era simplesmente a beleza, o requinte e a bênção da sociedade, ao mesmo tempo em que, com o assomo de muitas guerras, a quase inexistência ou fragilidade das instituições bancárias e importância de tais características, a arte representava uma espécie de reserva de valor e liquidez sempre crescentes. Para os potentados era mais benéfico aplicar em arte do que acumular pecúlios em dinheiro cujos destinos estavam incertos demais, aparentemente fugazes demais, quase escorregando pelos dedos. Em resumo: a arte e o artista eram bem-vistos como gênios e considerados um investimento, talvez o único, que detinha a soma de todos os fatores necessários para um aplicador conservador refestelar-se.

 

Nos nossos dias, a arte ganhou contornos mais sutis e policromáticos. Com o advento das grandes multinacionais, suas linhas de montagem, depósitos, redes de distribuição organizadas e atuando paralelamente à produção, o mundo passou a reverenciar menos aquele que sabe o ofício e mais aquele que sabe transformá-lo em lucros, em dividendos que passeiam entre contas bancárias. O que se converte em poder ganha primazia sobre o que gera apenas o status. Passamos desta forma de uma sociedade artesanalmente construída e moldada, para uma sociedade tecnicamente estruturada e pensada.

 

Não é mais o cuidado e o zelo do artífice que merecem os louros, mas toda a logística mercadológica, de ética irrelevante e complexidade quase antropofágica, que se vangloria de ostentar todos os prêmios. Troféus não mais entregues ao homem, mas à máquina que lhe serve de sustentáculo e para a qual ele passa a ser o elo menor.

 

Há quem diga até, que perderam-se, nessas transformações, a humanidade e a identidade da obra de arte. Esse é justamente o ponto que mais questionamos.

 

Em primeiro lugar, o que defende o atributo de humano, assim o faz por dois parâmetros essenciais: um, a criatividade como precursora e respaldo. No entanto, a causa e efeito de qualquer ato humano livre é a criação, seja em qualquer modalidade de interferência dos seres na realidade. A cópia, em si mesma, é uma interferência substancial e com grande poder de fogo dentro do meio social atingido. O simples fato de secionar-se o imenso trajeto do pensamento ao produto acabado não invalida a sua concepção inicial e o seu impacto cultural.

 

Dois, a liberdade. Há aqueles que vêem restrições à arte, no simples fato do ser criador não estar livre, de todo, no momento embrionário. Este guardaria vínculos e alianças espúrias a fim de garantir sua própria sobrevivência. Uma vez que o mecenato espera do artista mais do que beleza a ser ostentada, mas um fulcro ideológico, para o qual se dirija e adote como referencial criativo. A arte pela arte teria perdido o espaço para o lucro pelo lucro. Concordamos nesse mister, em parte. Sem dúvida, os produtores não se enxergam hoje, como acontecia no passado, nas suas produções. Haja vista, o próprio cinema brasileiro que tem de respeitar ao menos dois ditames básicos: o Brasil é o país do futebol e o Rio de Janeiro é lindo, visto de qualquer ângulo. Ora, a produção artística sempre esteve com suas nuances de beleza delimitadas por normas, costumes ou idéias. A ideologia sempre se aliou ao artista na confecção dos seus produtos. Mesmo em sendo um mero objeto decorativo ou instrutivo, o objeto artístico sempre serviu a algo ou alguém, sempre teve um propósito intencional. Um retrato, para mera contemplação, recebe uma roupagem ideológica própria ao situar-se entre nobres ou plebeus, entre liberais ou conservadores, etc.

 

O dinheiro dita as regras, hoje, mas a busca incessante da beleza nunca foi laboratório segregado de outras facetas da realidade. Na melhor das hipóteses a obra de arte assume seqüelas alienatórias relevantes.

 

Finalizando, podemos dizer que os bens artesanais e simbólicos, uma vez negociados rendem atualmente dividendos escassos por conta justamente dessa atitude que lhe é imanente de manutenção da beleza dos significados. Tornou-se incompatível com o lucro, não por desumanizar-se ou ter perdido uma identidade, mas devido à ausência de um empreendedorismo direcionado a esse setor. O novo mecenato, sustentado por leis esparsas e apoio direto dos cofres públicos, ganhou formas barrocas em demasia, complicadas demais. Cada grande investidor deveria adquirir parcelas, ações de esteio cultural, criadas e geridas por um conselho democrático e aberto à participação de instituições civis. Poder-se-ia também aventar a possibilidade de pessoas físicas adentrarem essa seara. Um brasileiro poderia apostar no crescimento cultural do seu país pagando uma quantia qualquer por uma cota de participação. Contudo, permanece o impasse: como defender uma brasilidade cultural quando perdeu-se, há muito, a fé na própria ingerência política em assuntos dessa natureza?

 

Dever-se-ia adotar a perspectiva econômica de Adam Smith ao meio cultural: deixar a mão invisível do mercado atuar sem maiores empecilhos?

 

Pensamos que não é uma boa saída.

 

Há , então, de se aviltar os bolsos dos fazedores de cultura, como se deles fosse a responsabilidade de entreter, questionar, e de construir, a partir de fragmentos, um futuro?

 

Também não.

 

Desta ou daquela maneira, defendemos que a rentabilidade deve retornar a ser a beleza dos conteúdos, no lugar da feiúra mascarada em ausência de significados e excesso de formas.

 

Marcos André Carvalho Lins é

bacharel em Direito formado na Universidade Federal de Pernambuco e ocupa o cargo de Técnico Judiciário Federal no TRT -6a Região (Pernambuco), sendo também escritor diletante.

 

http://www.culturaemercado.com.br/setor.php?setor=3&pid=2705

Marcos André Carvalho Lins

23/04/07

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