Crise institucional Bahiana

 

 

A cultura baiana vive mais um agravamento de sua crise institucional. A Fundação Casa de Jorge Amado, no Pelourinho, atende, desde ontem, em horário reduzido, além de extinguir o Café-Teatro Zélia Gattai e reduzir despesas, como o uso do ar-condicionado, o que coloca em risco um acervo de mais de 250 mil documentos – como a tradução do escritor baiano em 48 idiomas. Causadas principalmente pela redução do repasse no Fundo de Cultura, do governo estadual, as dificuldades da fundação e do Theatro XVIII foram veiculadas nacionalmente em matéria do jornal Folha de S. Paulo, na edição de domingo.

De acordo com a diretora da Fundação Casa de Jorge Amado, a escritora Myriam Fraga, a instituição recebeu este ano R$66 mil do Fundo de Cultura, para arcar com as despesas de dois meses.
Antes, eram destinados R$68 mil mensais. A diretora relatou que sempre buscou captar recursos privados, mas estes são acessíveis para eventos, mas não para a manutenção de iniciativas culturais. “Como é que vai se ter a peça se não houver o teatro”, indagou. Há uma expectativa de repasse em 2007 de mais R$130 mil.

Na Fundação Casa de Jorge Amado, foram demitidos 13 dos 25 funcinários. A fundação está abrindo das 13h às 19h – antes funcionava das 9h às 18h – e, além de abrigar todo o acervo de Jorge Amado (livros, cartas, fotografias, pesquisas acadêmicas), é fonte de pesquisa para estudiosos estrangeiros e recebe cerca de dez mil visitantes por mês, sobretudo excursões escolares. Também contribui para o trabalho de promooção turística da Bahiatursa, da Secretaria de Turismo do Estado.
“Nunca me ocorreu cobrar direito autorial disso. Imaginei que fôssemos parceiros”, afirmou Myriam Fraga. Devido à umidade, o Pelourinho é um local inapropriado para a manutenção do acervo, que, para lograr êxito, depende da climatização, explicou Myriam Fraga.

A reportagem da Folha de S. Paulo descreve que, com a troca de governo e o fim do convênio com o Fundo de Cultura, desde março a Fundação Casa de Jorge Amado deixou de receber o repasse – só resgatado em agosto. “Aos poucos, fomos ficando asfixiados”, disse Ticiano Martins, gerente administrativo e financeiro da fundação. “Nós (o governo baiano) temos uma política melhor para a distribuição de recursos, e a Fundação Casa de Jorge Amado precisa procurar outras fontes de renda porque não podemos e não vamos fornecer recursos de forma inconstitucional”, afirmou o superintendente de patrimônio cultural da Secretaria da Cultura da Bahia, Paulo Henrique de Almeida, à Folha. A reportagem do Correio da Bahia tentou ouvir Paulo Almeida, mas a assessoria informou que ele está viajando.

Ontem, Myrian Fraga se mostrou ofendida com a entrevista de Paulo Henrique de Almeida. Para ela, as instituições culturais estão sendo tratadas como “delinqüentes”, deixando seus dirigentes numa situação desconfortável. A direção garante que a Casa nunca teve pendência com os governos ou com tribunais de contas.

Cumprindo o sonho do escritor, a Fundação Casa de Jorge Amado promove um variado leque de atividades culturais. A divisão de ação educativa desenvolve programas para alunos dos ensinos fundamental e médio, a divisão de eventos realiza cursos e seminários, exposições e lançamentos de livros e discos, enquanto o serviço de difusão cultural publica uma revista e a Coleção Casa de Palavras, que publica trabalhos feitos por intermédio do acervo da fundação.

“O que desejo é que nesta casa o sentido da vida da Bahia esteja presente e que isto seja o sentimento de sua existência. Que, ao lado da pesquisa e do estudo, seja um local de encontro, de intercâmbio cultural entre a Bahia e outros lugares”, era o pensamento de Jorge Amado sobre a fundação.
Myrian Fraga espera manter a amizade com o secretário da Cultura, Márcio Meirelles, mas não esconde que se sente agredida. “Acho que está tendo um açodamento”, afirmou a diretora, que prega a necessidade de separar o joio do trigo.
De acordo com a escritora, a Casa de Jorge Amado – que só é isentada de pagar imposto de renda – está com os tributos em dia. “É uma instituição respeitada fora da Bahia e do Brasil.
Não posso aceitar que seja tratada como uma ONG fantasma”, disse.

Por falta de recursos ou por decisão governamental, a Bahia assistiu, nos primeiros nove meses do governo Jaques Wagner, ao encerramento dos espetáculos do Sua Nota é um Show, na Concha Acústica; do Pelourinho Dia & Noite e do Theatro XVIII; e entraram em crise a Fundação Casa de Jorge Amado, os museus de Arte Moderna e de Arte da Bahia, os balés TCA e Folclórico, o Instituto Gegráfico e Histórico da Bahia, a Academia de Letras da Bahia, a Livraria dos Autores Baianos, que fechou as portas, entre outros. Na Assembléia Legislativa, o deputado João Carlos Bacelar (PTN), da bancada da minoria, cobrou a demissão do secretário Márcio Meirelles, antes que ele destrua um dos maiores patrimônios do estado.

“O mundo corre sério risco de ver toda essa história se perder, devido à insensibilidade do secretário de Cultura, Márcio Meirelles. Sem ar-condicionado, o acervo da Fundação Casa de Jorge Amado está vulnerável e mais sujeito à ação de fungos e bactérias e não há mais ninguém para fazer a manutenção das preciosidades deixadas ou recebidas por Jorge Amado. Hoje, tudo está à mercê da ruína, da mediocridade e da incapacidade do governo Jaques Wagner”, enfatizou João Carlos Bacelar.

A Folha de S. Paulo abordou ainda o fechamento do Theatro XVIII, equipamento cultural que promovia montagens com preços de ingresso populares. “Pequeno (142 lugares), o teatro tinha uma das maiores taxas de ocupação (90%) da Bahia. Além dos espetáculos, o teatro promovia debates, saraus literários, cursos para atores iniciantes e aulas de história baiana. A Secretaria da Cultura diz que uma irregularidade na emissão de uma nota fiscal provocou a suspensão do contrato. O fechamento do teatro agrava a crise cultural e econômica do Pelourinho.
Desde o começo do ano, cerca de 110 dos 450 comerciantes registrados na Acopelô (Associação dos Comerciantes do Pelourinho) encerraram atividades ou colocaram estabelecimentos à venda”, contou a Folha.

Correio da Bahia

02/10/07

 

 

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