“Confronto”

 

O “confronto” na cidade é resultado, pelo lado da propaganda, da adoção de estratégias de divulgação não-convencionais, com empréstimos (bastante diluídos) de formas artísticas tradicionalmente consideradas “transgressoras” -como o grafite e a performance de rua.

 

É cada vez mais freqüente encontrar nas grandes cidades do Brasil pixações em muros e postes que fazem a divulgação de produtos, de novos modelos de celulares a filmes em cartaz. Outro recurso é criar “acontecimentos” performáticos inusitados para gerar curiosidade nos consumidores.

 

Recentemente, em São Paulo, a agência Avalanche criou uma “performance” para promover uma revista que tinha como lema a defesa de “boas emoções”. Escalou grupos de 30 pessoas para percorrerem a av. Paulista, misturando-se aos outros pedestres, e de tempos em tempos se “congelarem” em meio à agitação local.

Paravam todos nas calçadas, nos cruzamentos, nas faixas de pedestres em “protesto”, diz o sócio da agência João Fernando Camargo, “contra a violência, crises, tragédias”.

 

Manifestante profissional

 

Os mesmos publicitários realizaram outro ato que gerou estranhamento no centro da cidade. Contrataram “manifestantes” profissionais para, por três dias, realizarem passeatas que exigiam a instalação de uma academia de ginástica na região. Só ao final dos “protestos” é que, por meio de divulgação tradicional, ficou claro que os protestos-performance na verdade eram uma ação publicitária para o lançamento da academia exigida.

 

Noutro exemplo, a Espalhe, agência que também faz empréstimos da “arte de rua” para vender seus produtos, coordenou uma campanha para uma série de suspense da TV paga em que desenhava perfis de corpos humanos a giz nas ruas de São Paulo, simulando as marcações da polícia americana em locais de assassinatos.

 

A idéia, diz Camargo, é que “tudo é mídia”, como os publicitários se referem aos meios de suporte de seus anúncios (sejam eles outdoors, páginas de revista ou a tela da TV), e que as mídias tradicionais estão saturadas e não prendem mais a atenção dos consumidores.

 

“A idéia é levar a propaganda para o dia-a-dia, sair da moldura -do outdoor, da TV- e dialogar com as pessoas”, defende o publicitário. “Há uma saturação dos meios tradicionais, além do custo ter aumentado.”

 

Tanto Camargo quanto Gustavo Fortes, sócio da Espalhe, dizem que o uso de “arte de rua” ou de meios não convencionais para a propaganda ainda é escasso, já que as agências vivem dos gastos de mídia tradicional, cobrando de seus clientes pelo espaço comprado em TV, jornal ou outdoor.

 

A nova tendência também é limitada pelo uso vagaroso, atrasado -mas inevitável- que a propaganda sempre faz de formas artísticas. “Isso [a expansão para a rua] começou na arte nos anos 70. A propaganda é que foi reticente e demorou a incorporar a idéia a suas estratégias”, afirma Camargo.

 

Pelo lado da arte, trata-se de mais um questionamento de seus limites formais e da incorporação de práticas antes marginais (como o grafite).

 

Um dos exemplos brasileiros mais característicos dessa tomada das ruas pelas obras está no vídeo “Atentado”, que registra as “pinturas” sobre outdoors feitas pelo artista paulistano Eduardo Srur, 32. Ele dispôs bexigas cheias de tinta sobre outdoors e depois usou pavio e bombinhas para estourá-las. As imagens das propagandas serviram de base da “obra”.

 

O artista alterou o visual de 40 outdoors de São Paulo. As ações de Srur não eram autorizadas e os cartazes foram substituídos. O vídeo, de três minutos e meio de duração, integra a exposição “Paradoxos Brasil”, em cartaz no Paço Imperial, no Rio, e também está em exibição numa mostra aberta nesta semana em Djon, na França.

 

Cidade-estúdio

 

Para ele, que iniciou a carreira pela pintura, o “Atentado” é “expansão” de seu trabalho.

“A cidade virou meu estúdio. Não acho que a arte tenha que buscar um confronto com a mídia exterior. A cidade é uma fronteira a ser explorada. Para mim, é difícil desenvolver trabalhos dentro do cubo branco.”

 

O criador do Wooster Collective, galeria virtual que apresenta obras de arte de rua de todo o mundo, Marc Schiller (leia texto ao lado), sintetiza a diferença entre os usos que a arte e a propaganda fazem dos muros e das ruas da seguinte maneira: “Trata-se, para a arte, de se reapropriar do espaço público, da cidade, enquanto a propaganda trata de comprá-lo”.

 

Marcelo Cidade, artista selecionado para a próxima Bienal de São Paulo, diz que “há na arte hoje uma relação com o espaço urbano, que está todo ocupado pela publicidade”.

 

O artista que também é grafiteiro (e considera a prática “vandalismo”) observa que “a publicidade está usando as táticas dos grafiteiros para ganhar espaço sem gastar dinheiro.”

 

Um exemplo recente que ainda está nas ruas de São Paulo é o do filme “A Concepção”, cuja logotipo foi espalhado com spray em postes, muros e caixas de energia. A produtora do filme não reconhece a autoria da “campanha” nem sabe dizer se a mídia ajudou ou não.

 

 

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