Cabra Marcado para Morrer

Foto: Divulgação

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Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, longe de ser apenas um filme dentro de um filme, é o melhor documentário nacional e um dos trabalhos que mais influenciaram a cinematografia documental brasileira moderna. Seu realizador é considerado unanimidade e sinônimo de documentário. Coutinho até virou adjetivo. “Coutiniano”, dizem alguns.

A análise do filme exige um distanciamento entre a influência estética e a narrativa exercida pelo filme, de seus objetivos e forma de tratamento do tema escolhido. De um lado temos a forma de filmar e de outro, o que está sendo filmado. Distinguir os elementos parece ser o primeiro passo. Seu retrato histórico, de um período proibido do país, tem que ser separado da forma com que Coutinho extrai estas estórias dos entrevistados.

Vítima do golpe de 64 e da paranóia instalada no país, Coutinho e seu Cabra Marcado para Morrer, originalmente um filme de ficção, voltam ao cenário inicial, 17 anos depois, para resgatar a história do projeto. Coutinho quer fazer o recorte que tentara antes, agora na forma de documentário. Munido de coragem – o Brasil em 1981, data da retomada das filmagens, iniciava um lento e perigoso momento de abertura – e dos rolos de filme que conseguiu salvar do original em 1964, Coutinho retorna a cidade de Galiléia, a procura de seus atores e da verdade. Busca a verdade.

Durante o filme, o povo fala. A câmera registra. Escutamos a tudo. A vida do campo é retratada. O discurso oficial é negado. Começam a surgir mártires. João Pedro, o protagonista da estória, surge como símbolo. Sua morte, nunca esquecida, é a linha condutora e o leitmotiv do filme. O símbolo de sua morte tem que ser estudado e explorado. As ligas camponesas, embriões da luta pelos direitos no campo, são retratadas com justiça.

Encontramos Coutinho, em 1981, discutindo problemas pertinentes e persistentes ainda hoje, como reforma agrária, distribuição de riquezas, direito dos trabalhadores rurais, invasão de terras, migração, imunidade parlamentar, ditadura, justiça falha. Está tudo lá, exposto, revelado, na boca dos camponeses. Suas visões de mundo são alçadas à verdade. As palavras dos depoentes parecem ser de Coutinho. “Quero que o filme registre este repúdio à quaisquer tipos de governo. Nenhum presta para o pobre”. Nenhum.

É o povo, sofrido, perseguido, pobre e sem esperança. Cantam a canção do subdesenvolvimento. Mostram a cara do país. Tentam desvendar o Brasil através da vida e da luta de um líder, e, posteriormente, de sua família. Um homem que acreditava que era melhor morrer na bala do que de fome. São todos homens que choram de barriga vazia, com vontade de comer. Lutam por justiça. São vítimas da “ira tirana do latifúndio”, dos bárbaros donos de nosso país, que caminham impunes, calma e contentemente. Querem reconhecimento. Coutinho faz o papel da voz e ilustra os episódios com sua ficção.

Esteticamente, o filme de Coutinho é hoje objeto de estudo em todas as salas de aulas das faculdades de cinema do país. Sua facilidade de estabelecer contato entre o espectador e o entrevistado é assustadora. Todos tentam entender o fenômeno Coutinho. Sua figura, carismática, encantadora e enigmática conduz a narrativa com destreza e transforma a entrevista, e conseqüentemente, o entrevistado, em narradores aptos a conquistar a confiança. Sua habilidade em se impor conduzem e nivelam o depoimento. Mesmo contrariados, os entrevistados declamam suas poesias, sussurrando e se lamentando. Coutinho consegue arrancar, até mesmo da negação, discursos contundentes.

Coutinho entrega o filme com sua voz. Relata problemas, conversa com a câmera, dialoga com a história, nos conta suas estórias. Nunca se oculta. Combalir os problemas técnicos e transformar a improvisação em arma é a função de seu cinema direto. Seu rosto surge para dar credibilidade. “Tudo bem, Coutinho?”, pergunta a entrevistada. ‘Me desculpe ontem pela emoção durante a entrevista”s. Podemos tentar hoje de novo. Nada é escondido ou esquecido. Todos querem e devem ser ouvidos. Alguns cospem durante a entrevista.

Hoje, ninguém consegue fugir do modelo Coutinho de filmar. Câmeras se prendem aos entrevistados, a equipe teima em aparecer, o ato de filmar é escancarado logo de cara. Coutinho deixou crias e se prendeu a sua peculiar forma de filmar. Santo Forte, Babilônia 2000 e Edifício Master, seus três filmes mais recentes, são conseqüência de Cabra Marcado para Morrer. Coutinho e o documentário se renovam a cada filme, buscam novas soluções, mas a recordação de seu filme mais famoso parece não desaparecer. Continua a influenciar.


Thiago P. Ribeiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CABRA MARCADO PARA MORRER
Brasil – 1984 – Documentário – 120 minutos
Direção: Eduardo Coutinho
Roteiro: Eduardo Coutinho
Direção de Fotografia: Edgar Moura e Fernando Duarte
Montagem: Eduardo Escorel
Distribuição: Globo Vídeo

Foto: Divulgação

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