Bom de Samba. Bom de Briga.

 

 

 

 

 

O compositor Noca da Portela é secretário de Cultura do Estado há menos de um mês e já sentiu as agruras do poder. Acostumado às disputas de samba-enredo na escola que lhe empresta o nome e à rivalidade entre dissimulada entre sambistas, não esperava tanta resistência à sua indicação em tempo tão exíguo. Encontrou obstáculos velados assim que chegou, mas o caldo entornou quando ele mudou o diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS). Saiu o maestro e compositor erudito Edino Krieger e entraram Nilcemar Nogueira, neta do compositor mangueirense Cartola, e Lígia Santos, pesquisadora da cultura negra.

 

Os profissionais da área erudita estrilaram e houve cartas a jornais e circulares na internet, mas os insatisfeitos omitiram que Nilcemar, além de neta do fundador da Mangueira, é criadora e diretora do Centro Cultural Cartola, no antigo prédio do IBGE junto à favela, um centro de referência e preservação do acervo do compositor e da escola. E Lígia é respeitada fora e dentro do mundo acadêmico. Elas terão pouco tempo e espaço de manobra, mas Noca retomou uma tradição, pois o MIS já teve à frente a jornalista Ana Maria Bahiana, o pesquisador Ricardo Cravo Albim e, antes de Krieger, a Marília Barboza da Silva, biógrafa, entre outros, do próprio Cartola.

 

“Essa substituição é episódio superado, todo mundo entendeu e agora é tocar para a frente os projetos da governadora”, disse Noca ao Estado esta semana, em que a poeira começou a baixar. A governadora é Rosinha Mateus, mulher de Anthony Garotinho, ex-governador e postulante à candidatura a presidente da República pelo PMDB, que entrou em greve de fome no último domingo. “Eu já ajudava aqui na secretaria há dois anos, como assessor especial, e, quando ela me convidou, precisei de alguns minutos para saber se aceitava ou não.”

 

São três projetos, dois a curto e um a longo prazo. Até setembro, ele pretende inaugurar o Museu do Futebol, no estádio do Maracanã. O espaço já foi inaugurado na gestão de Garotinho, mas não tinha acervo além de algumas fotos de partidas marcantes no local. Noca não deixa claro o que ficará exposto lá, mas garante que antes do fim do ano o museu estará funcionando.

 

O outro projeto a curto prazo é a Casa do Samba, que funcionará num casarão do século 18, que foi sede do Detran fluminense até os anos 80, quase ruiu nos 90 e agora passa por intermináveis obras de restauração, incluído no Projeto Monumenta, parceria do Ministério da Cultura com o Banco Mundial. “Lá terá quintal para ensaios e shows, espaço para exposições, biblioteca especializada em samba (a bibliografia é vasta, o assunto sempre interessou os intelectuais) e um estúdio para gravação de última geração”, promete Noca, que quer inaugurá-lo em 2 de dezembro, Dia Nacional do Samba.

 

O problema é que as obras parecem estar atrasadas e a Secretaria de Cultura tem orçamento curto: R$ 2,7 milhões para projetos e R$ 16 milhões para custeio, mas Noca espera cobrir as despesas com recursos da lei de incentivo, que permite a empresas destinar a projetos culturais parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Já houve esse uso para a reforma do Theatro Municipal (que apesar do nome é administrado pelo Estado) e para iluminação de monumentos históricos no interior fluminense. “Acredito que daí poderão vir R$ 60 milhões”, anima-se Noca.

 

O terceiro projeto é a criação do Centro Cultural Imperator, no Méier, um dos bairros mais populosos da zona norte, totalmente carente de opções de cultura e lazer. O local era um cinema de luxo nos anos 40 e 50, virou casa de shows nos anos 80 (de Luiz Oscar Niemeyer, o mesmo que trouxe U2 e Rolling Stones ao Brasil em fevereiro) e quase vira templo religioso neste século. O prédio já é do Estado. “Mas está em ruínas, vai demorar um pouco para realizar todas as obras necessárias”, avisa Noca. “Por isso não deve ser inaugurado este ano.”

 

No meio do tiroteio, Noca recebeu um alento importante, do ministro da Cultura, Gilberto Gil. Os dois são músicos, mas Noca é dez anos mais velho em idade e tempo de carreira. Ambos vieram de fora do Rio (Noca é mineiro de Muriaé e Gil, de Salvador). Gil é filho de um médico e uma professora e, antes de músico, foi aluno brilhante de Administração de Empresas, na Bahia. Noca foi feirante antes de sua carreira de sambista deslanchar. Os dois tentaram a carreira política pela via eleitoral (Gil elegeu-se vereador em Salvador e Noca não conseguiu o mesmo, no Rio). E a resistência à nomeação foi outro ponto em comum dos dois. “Ele tem agora que impor sua presença através de suas propostas, seu trabalho”, disse Gil ao Estado. “Superar casos de preconceito e as reservas, onde existam. A gente está aí para isso.”

 

Nenhum dos dois abandonou a música. Gil fez turnês no Brasil e no exterior nestes três anos e meio de MinC e lançou o disco Eletroacústico que mereceu um Grammy. Ele só lamenta não ter tempo para compor. Noca também tem agenda cheia. “No dia 13 de maio, faço o show do Dia da Abolição na Mangueira e, em junho, tenho shows marcados na rede Sesc do Interior de São Paulo”, lembra Noca. Apesar do susto inicial, ele minimiza os problemas. “Com a ajuda dos amigos e o apoio da governadora vamos conseguir realizar os planos. Se não 100%, ao menos 50%.”

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