”Olha lá o Monarco, olha o Nelson”. Olha a Beth Carvalho. É ela quem aponta os mestres, provavelmente durante a exibição de um vídeo antigo em sua casa, onde estavam os amigos do Quinteto em Branco e Preto. Foi nesse clima – entre reunião informal e aquecimento para a estréia, nesta quinta-feira e na sexta no Canecão, da turnê ”Madrinha do samba”, comemorativa de 40 anos de carreira – que a cantora falou por telefone com o Globo Online. Um ambiente natural para ela, a artista que conheceu sambas de compositores da Mangueira indo visitar o morro, descobriu a novidade do Fundo de Quintal indo até o Cacique de Ramos e buscou em São Paulo, nos anos 90, um sopro renovado no samba.
– Ao longo de minha trajetória fiz muitas amizades. Não é apenas uma relação de intérprete-compositor, cantor-músico. As pessoas freqüentam a minha casa, eu freqüento as casas delas – contou.
Na entrevista, Beth cravou – com mais precisão nas emoções que nas datas – momentos marcantes de sua carreira de 29 discos e uma vendagem que chega a 10 milhões, segundo seus próprios cálculos. Acompanhe as quatro décadas de “Andança” por um caminho coalhado de “Folhas secas”:
1965: “Foi o ano em que lancei meu primeiro compacto simples, com arranjos de Eumir Deodato, Roberto Menescal tocando. Tinha ‘Por quem morreu de amor’, de Menescal e Bôscoli, e uma toada ou marchinha, não sei como chamar aquele ritmo, era ‘Namorinho’. Fui convidada para fazer o disco depois que os diretores da gravadora me viram num programa de TV do Flávio Cavalcanti”, cantando exatamente essas duas músicas.”
1966: “Foi nessa época que comecei a freqüentar as escolas de samba, ir no Teatro Opinião, onde os sambistas se encontravam.”
1968: “Ano muito importante, quando defendi ‘Andança’ no Festival Internacional da Canção, da TV Globo. Foi ali que ganhei projeção nacional, que já vinha conquistando em festivais anteriores que participei.”
1969: “Fui à Europa pela primeira vez representando o Brasil, num Festival da Grécia no qual fiquei em 6º lugar. Dizem que tem um busto meu lá no teatro onde cantei, mas nunca voltei na Grécia para conferir.”
1970: ”Meu primeiro desfile pela Mangueira. São 35 anos de escola, outra data redonda para comemorar (risos).”
1975: “‘Saco de feijão’, de Chico Santana, virou um sucesso nacional. Foi um momento marcante da minha relação com a Velha Guarda da Portela, eu que fui a cantora que mais gravou músicas deles.”
1976: “Ganhei da Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD) o título de maior vendedora de discos do país. Eu, Clara Nunes e Bethânia acabamos com o mito de que mulher não vendia disco no Brasil.”
1977: “Levada pelo Alcir Portela, conheci o Cacique de Ramos, a rapaziada do Fundo de Quintal que vinha fazendo algo novo. Éramos eu e eles, mais ninguém. Depois começaram a aparecer outros compositores, sabendo que Beth Carvalho estava indo lá. Falei com o Rildo Hora, meu produtor na época: ‘Rildo, conheci uma turma que eu quero no meu próximo disco, como músicos’. Ele ficou meio temeroso: ‘Uma coisa é num fundo de quintal, outra é no estúdio’. Mas quando foi lá, ele se rendeu.”
1978: “Gravei ‘Vou festejar’, já da safra do Cacique. Essa geração teve um papel importantíssimo, de chamar de novo a atenção dos jovens para o samba. E, com a música, eu retornava ao carnaval, numa época em que não havia mais canções novas para o carnaval. Hoje a canção é praticamente um hino do Bola Preta.”
1984: ”Levei Zeca Pagodinho a um estúdio pela primeira vez, para gravar uma música dele, ‘Camarão que dorme a onda leva’, como convidado num disco meu. Quando o conheci no Cacique fiquei muito impressionada. No estúdio, ele não sabia nem direito o que era um microfone. No mesmo ano, fizemos um clipe pro ‘Fantástico’ juntos. Disse a ele: ‘Você vai dublar, fingir que está cantando e tocando esse cavaquinho’. Ele não entendeu nada, mas fez.”
1984: “Fui enredo da Unidos do Cabuçu, ‘Beth Carvalho, a enamorada do samba’, a primeira vez que uma escola homenageava alguém vivo. A escola foi primeira campeã e, como desfilou no Grupo de Acesso, antes do Principal, foi a primeira campeã do Sambódromo.”
1996: “Conheci o grupo paulistano Quinteto em Branco e Preto, a melhor coisa que aconteceu no samba recentemente. Sou madrinha dele e hoje eles são meus músicos.”
1997: ”’Coisinha do pai’ foi usada para acorda o robô em Marte. Samba interplanetário.”
2004: “Ganhei, em São Paulo, os títulos de Cidadã Paulistana, Gratidão do Povo Paulista e Medalha Anchieta, que eles costumam dar apenas para pessoas nascidas lá”.
2005: ”Fui escolhida a cidadã mais carioca pela Sociedade dos Amigos da Rua da Carioca.”
Da Agência O Globo