Bárbara de Alencar, a primeira republicana das Américas

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A expressão “à frente de seu tempo” não se aplica tão bem a alguém como a Bárbara de Alencar. Revolucionária em todos os sentidos da palavra, ela contestou os padrões de sua época e por conta disso foi a primeira presa política do Brasil, no início de 1800. Sua participação ativa na sociedade também a fez a “primeira republicana nas Américas”.

 

Bárbara de Alencar atuou na Revolução Pernambucana de 1817Bárbara de Alencar atuou na Revolução Pernambucana de 1817 Talvez Bárbara seja mais conhecida por ser “a avó do romancista José de Alencar”, mas para além disso, foi uma revolucionária importantíssima que lutou junto ao povo na Revolução Pernambucana de 1817.

 

O escritor Gylmar Chaves, que há anos pesquisa sobre esta mulher que mudou padrões sociais, conversou com o Portal Vermelho sobre a construção do ideário republicano e sua participação na Revolução de 1817, ocorrida em Recife, que completa 200 anos.

 

Leia a entrevista na íntegra:

 

Como surgiu Bárbara de Alencar em sua pesquisa e literatura?

 

Ouvi falar pela primeira vez sobre Bárbara de Alencar por meio do cineasta Rosemberg Cariry e do escritor Oswald Barroso. A história dela sempre me fascinou! É muito cativante e forte pelos traços universais do feminino bravio que carrega, por sua paixão pela política e por sua gesta heroica. Então, no início do ano 2000, me debrucei sobre os fatos para construir uma narrativa histórica adornada pelas vergas da oralidade e das lendas, e de um laborioso trabalho bibliográfico, extraindo desses marcos da pesquisa, episódios inusitados.

 

É essa travessia que eu conto no livro a ser publicado ainda esse ano: Histórias para acordar cada acontecimento – Relato sobre Bárbara de Alencar, avó do romancista José de Alencar, uma sertaneja vibrante e inflexível que ajudou a mudar a história do Brasil.

 

Bárbara de Alencar ainda é um vulto histórico a ter reconhecimento nacional?

 

Ela nasceu em 11 de fevereiro de 1760, na Fazenda Caiçara, próxima à cidade pernambucana de Exu, ainda um pequeno povoado. Quando casou, aos 22 anos, com o comerciante português José Gonçalves dos Santos, foi residir no Crato, a vila mais prospera da região. Por essa época do nosso processo colonizatório as mulheres eram proibidas de ler, escrever e participar de reuniões políticas, além de necessitarem de outras permissões. Desse contexto, podemos perceber que fomos impedidos de ter acesso às inúmeras contribuições que as mulheres deram ao nosso país, muito embora algumas delas tenham conseguido romper com esse rolo opressor imposto à memória e à historiografia. Bárbara de Alencar era silenciosamente admirada, e explicitamente odiada por homens e mulheres… Pelas mulheres porque não dispunham da coragem de fazer ruir padrões e hábitos. Pelos homens, porque poderia servir de exemplo à suas mulheres.

 

 

Alguns historiadores apontam a 10ª Região Militar de Fortaleza onde Bárbara de Alencar teria ficado presa. O local é minúsculo e dificilmente alguém teria condições de permanecer ali. Existem também questionamentos sobre esse fato que remete à sua vida de revolucionária. O que há de verdade?

 

Aquele local foi construído para ser um polvorim, para armazenar melhor a pólvora e protegê-la de ataques e de incêndios. Jamais foi local de aprisionamento. Quando Bárbara de Alencar foi presa, a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, onde a suposta prisão se situa, estava em reforma. Os historiadores Paulino Nogueira e Gustavo Barroso desconstroem a versão de sua prisão nesse local em textos publicados pela revista do Instituto Histórico do Ceará.

 

Quais diferenças entre Bárbara e as mulheres de seu tempo dentro do contexto social e político de sua época?

 

Dentro de meu tempo de pesquisa para a construção da narrativa percebi nuances na convivência com seus escravos existir traços inaugurais do conceito de cidadania, numa época em que a dominação e os maus-tratos eram considerados normais. Bárbara de Alencar costumava ser madrinha de seus escravos. Os escravos Barnabé e Cazumba participavam de conversas, privavam de assuntos de sua confiança e tinham a permissão de adentrar os cômodos mais reservados da casa. Ela foi talvez a mais consciente personalidade do que viria a ser o conceito de cidadania.

 

Este ano de 2017 marca os 200 anos da Revolução de 1817. Qual foi a contribuição de Bárbara de Alencar?

 

Bárbara de Alencar é considerada em tempo cronológico a primeira presa política do Brasil e a primeira republicana das Américas. Somente estes fatos históricos a diferenciam. Mas, existem outros. No Sítio Pau Seco, que ficava localizado em a cidade do Crato e Juazeiro, era ela que administrava três fábricas, montadas sob sua orientação: o Engenho de rapaduras, de Aguardente da Terra (nossa atual cachaça), e uma produção de utensílios domésticos de cobre.

 

Também participava na organização das festas da Igreja Matriz, auxiliando o padre Miguel Carlos a quem supõe alguns historiadores ser sua amante. Para mim, sua contribuição histórica está para além de um fato ligado meramente a sua intimidade.

 

Bárbara de Alencar participou ativamente com seus filhos e amigos da Revolução de 1817, que segundo Luis da Câmara Cascudo, “nenhuma nos emociona tanto, nem há figuras maiores em tranquila coragem, serenidade e compostura, suprema decisão de saber morrer, convencidos da missão histórica, assumida e desempenhada”.

 

É uma grande oportunidade, que durante as comemorações dos duzentos anos dessa importante revolução para o Brasil, iniciada agora em 6 de março último em Recife, que também se comemora dois dias depois o Dia da Mulher, sua vida dedicada em construir o ideário republicano chegue a população.

 

Como escritor você articula projetos específicos por ocasião da celebração dessa efeméride?

 

Sim! Estão em análise na Secretaria da Cultura do Estado do Ceará dois projetos de palestras e distribuição gratuita do meu livro infanto-juvenil que tem ilustração do inesquecível Audífax Rios. Além de sua realização nas escolas públicas e agrovilas, também incluí comunidades quilombolas, indígenas, de pescadores e o sistema de detenção masculino e feminino.

 

Acho primordial a difusão do sentimento de cidadania que Bárbara de Alencar imprimiu numa época em que a dominação e os maus-tratos eram considerados normais, pois ela defendeu a cidadania no tempo da colônia e da escravidão. Numa época em que se construíam clandestinamente as bases do ideário republicano. Ela foi talvez a mais consciente personalidade do que era cidadania.

 

Abaixo a música Passeio Público, do compositor cearense Ednardo, que homenageia Bárbara de Alencar:

 

Passeio Público

 

Hoje ao passar pelos lados

Das brancas paredes, paredes do forte

Escuto ganidos, ganidos, ganidos, ganidos

Ganidos de morte

Vindos daquela janela

É Bárbara, tenho certeza

É Bárbara, sei que é ela

Que de dentro da fortaleza

Por seus filhos e irmãos

Joga gemidos, gemidos no ar

Que sonhos tão loucos, tão loucos, tão loucos

Tão loucos foi Bárbara sonhar

Se deixe ficar por instantes

Na sombra desse baobá

Que virão fantasmas errantes

De sonhos eternos falar

Amigo que desces a rua

Não te assustes, não passes distante

Procura entender, entender

Entender o segredo

Desse peito sangrante

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