As memórias de Festas Juninas presentes na literatura

 

Dizem que um escritor alcança a universalidade quando consegue vincular seus regionalismos, modos populares específicos de certos lugares, circunstâncias biográficas e lembranças da infância e, ao mesmo tempo, dar a eles um caráter universalizante.

 

Por Maria Fernanda Moraes

 

Não é à toa que um dos nossos festejos populares mais famosos, a Festa Junina, figura nos enredos de grandes escritores e ocupa perfeitamente essa lacuna da universalidade. Isso porque, apesar de já ser conhecida e arraigada na tradição brasileira, a Festa Junina tem origem nas antigas celebrações pagãs de povos da Ásia e Europa. Foi trazida ao Brasil pelos portugueses e adaptada à nossa cultura, que passou a celebrar Santo Antônio, São João e São Pedro.

 

Assim, é comum que todos tenham alguma lembrança dessa festividade: das músicas, das comidas, das brincadeiras, enfim, de qualquer uma dessas tradições que se tornam pratos cheios para os escritores. O crítico literário Davi Arrigucci Jr. vai mais fundo e diz que a presença dessas lembranças das festas juninas na literatura são fortes por serem “imagens que fazem parte de uma matéria extremamente pessoal e íntima, mas ao mesmo tempo também histórica, dependente de um desígnio programático bastante acentuado, no sentido da recuperação do passado histórico e da tradição popular, como uma forma de tomada de consciência da realidade brasileira em todas as suas dimensões”.

 

Para ilustrar, separamos alguns versos de escritores que trazem a temática em suas obras ou fazem referência a essa tradição:

 

Manuel Bandeira

 

O poema “Profundamente”, do livro Estrela da Vida Inteira, narra explicitamente as lembranças do poeta numa noite de São João. Além do saudosismo da infância, a composição já apresenta os ideais modernistas de Bandeira.

 

“Quando ontem adormeci

Na noite de São João

Havia alegria e rumor

Estrondos de bombas luzes de Bengala

Vozes, cantigas e risos

Ao pé das fogueiras acesas (…)”

 

Já o poema “Na Rua do Sabão”, publicado na década de 1920, no livro Ritmo Dissoluto, fala do tradicional balão. Não é exatamente a imagem explícita da festa junina, mas sim a metonímia dela. A partir de um refrão popular, de domínio público, que se repete ao longo do poema, Bandeira leva os leitores à Rua do Sabão e reaviva nessa memória coletiva uma das recordações mais vivas da infância.

 

“Cai cai balão

Cai cai balão

Na Rua do Sabão!

 

O que me custou arranjar aquele balãozinho de papel!

Quem fez foi o filho da lavadeira.

Um que trabalha na composição do jornal e tosse muito.

Comprou o papel de seda, cortou-o com amor, compôs

os gomos oblongos…

Depois ajustou o morrão de pez ao bocal de arame (…)”

 

Cyro dos Anjos

 

O escritor, que vem de uma tradição junina forte nas Minas Gerais, também apresenta uma grande referência à festa em um capítulo de seu livro O Amanuense Belmiro. Extremamente lírico, o capítulo “Um São João que vai longe” traz o sujeito adulto se lembrando dessa festa que marcou tanto a memória do interior do Brasil:

 

“Quando vi a fogueira, passei ao largo, com medo de que os meninos me atirassem bombinhas. Mas, mesmo de longe, pude apreciar esse São Joãoalegre e buliçoso, cheio de balões e de vozes gratas da infância.Apesar da literatura que se faz pelo Natal e pelo São João, esses dias continuam inundados de uma poesia própria, que resiste a todas as agressões dos principiantes das letras. Permanecem com sua força evocativa e voltam com aquela pontualidade inexorável para vir lembrar-nos que estamos envelhecendo irremediavelmente.”

 

Graciliano Ramos

 

O escritor nascido em Alagoas traz para sua literatura reminiscências das festas juninas mais tradicionais do país, no sertão nordestino. Em São Bernardo, um de seus romances mais conhecidos, que narra a ascensão do latifundiário Paulo Honório, Graciliano descreve no capítulo 7 uma festa junina:

 

“Nas noites de São João, uma fogueira enorme iluminava a casa de seu Ribeiro. Havia fogueiras diante das outras casas, mas a fogueira do major tinha muitas carradas de lenha. As moças e os rapazes andavam em redor dela, de braço dado. Assava-se milho verde nas brasas e davam-se tiros medonhos de bacamarte. O major possuía um bacamarte, mas o bacamarte só desenferrujava nos festejos de São João.”

 

Carlos Drummond de Andrade

 

Vale ainda lembrar que um dos poemas mais famosos de Drummond – “Quadrilha” – leva o nome da típica dança realizada nos festejos juninos. Apesar de o enredo do poema não explicitar a temática, o ritmo segue o mesmo dessa tradição junina, possibilitando uma analogia com a troca de pares que acontece em dado momento da quadrilha:

 

“João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili

que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,

Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.”

 

Alberto Caeiro

 

E, por último, mas não menos importante, uma menção honrosa aos portugueses, que trouxeram a tradição da festa junina ao Brasil. O poema “Noite de São João”, de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa:

 

“Noite de São João para além do muro do meu quintal.

Do lado de cá, eu sem noite de São João.

Porque há São João onde o festejam.

Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,

Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.

E um grito casual de quem não sabe que eu existo.”

 

 

FONTE

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