Ari Barroso

O Ari Barroso nasceu Ari Evangelista Barroso, mas nunca se conformou. Logo no início da carreira, no teatro de revista, em 1929, tratou de corrigir o que considerava um erro. “Esse Evangelista nunca deu certo”, matutava ele. Apresentado pelo amigo e parceiro Marques Porto a um especialista em numerologia, passou a assinar apenas Ari Barroso. É provável que tenha sido o primeiro personagem da música popular brasileira a adotar o nome recomendado por um numerólogo, como viria a ocorrer com tantos artistas a partir da década de 80, como Baby do Brasil (ex-Baby Consuelo) e Jorge Benjor (ex-Jorge Ben).

Muito mais do que a numerologia, certamente foi o imenso talento que o transformou no compositor brasileiro mais conhecido internacionalmente, antes de Tom Jobim gravar Garota de Ipanema. Aquarela do Brasil, que inaugurou o estilo samba-exaltação, gravado pela primeira vez por Francisco Alves, em 1939, fez com que Ari se transformasse em compositor e arranjador de filmes de Hollywood, com Carmen Miranda, uma de suas principais interprétes e também grande amiga, com quem Ari cultivava o hábito de passear pelas ruas do Rio. Ambos abriram a porta do mercado americano, por onde entrou 20 anos depois a bossa nova.

Inovação
Ari compôs Aquarela do Brasil numa tarde chuvosa. Estava pensativo, de repente levantou-se, foi até o piano e avisou: “Vou fazer um samba cheio de inovações.” Conseguiu transportar para o piano a batida de um tamborim e, em meia hora, estava criada a obra-prima que ganhou centenas de gravações no País e no Exterior.

Ari Barroso nasceu em 7 de novembro de 1903, em Ubá, Minas Gerais. Do pai, João Evangelista, deputado estadual e promotor público, lembrava-se principalmente de uma surra que levou por ter mergulhado um valioso relógio de estimação da família num jarro com água. Ficou órfão aos oito anos e foi criado pela tia-avó, a professora de piano Ritinha, que o introduziu na música, mas tinha planos de fazer o garoto virar padre. Por imposição de dona Ritinha, Ari era obrigado a tocar piano três horas por dia, rotina que se estendeu dos dez aos 12 anos de idade. A severa professora colocava um pires nas costas das mãos do jovem pianista, exigindo que percorresse a escala musical, sem deixar o pires cair, sob pena de ser castigado com uma vara de marmelo. O primeiro trabalho foi como pianista auxiliar do Cinema Ideal. Em 1920, ganhou uma herança de 40 contos de réis com a morte de um tio, arrumou as malas e foi para o Rio, com o sonho de se formar advogado.

Mais do que as aulas na Faculdade de Direito no Catete, no entanto, Ari frequentava a noite carioca. Estreou tocando no Cine Iris, mas logo passou a integrar orquestras como a do maestro Sebastião Cirino, na sala de espera do Teatro Carlos Gomes. Apesar de suar a camisa em bailes de clubes, não conseguia pagar o aluguel de cento e poucos mil réis, sendo obrigado a pedir dinheiro emprestado de outros amigos compositores, pagando juros exorbitantes. Com a marchinha Dá nela, ganhou o primeiro lugar no concurso de músicas do Carnaval de 1930. Com o prêmio de cinco contos de réis, tomou coragem para casar logo depois da folia com Ivone Arantes. O tio Inácio, então deputado estadual de Minas Gerais, conseguiu fazer com que Ari fosse nomeado juiz de Nova Resende. A vida do compositor parecia tomar um rumo sério, mas ele resolveu não aceitar a nomeação e mergulhar de vez na vida artística. Para sorte da música popular.

Irreverência
Em 1931, Lamartine Babo estava na platéia quando, num teatro de revista, ouviu a canção Na grota funda, com letra do caricaturista J. Carlos. Lamartine ficou tão encantado que decidiu escrever nova letra para a melodia, alterando o título da canção. Nascia, assim, No rancho fundo, lançada por Lamartine num programa de rádio. Em 1935, Ari criou o seu próprio programa de calouros, Hora H, e estreou também como locutor esportivo no rádio. Exigia que os calouros cantassem apenas músicas brasileiras e os obrigava a dizer quem era o compositor. Na década de 50, apresentou o mesmo programa, em uma versão renovada, titulado Calouros em Desfile, na TV Tupi. Em um dos programas, um candidato cantou uma marcha junina de autoria do próprio Ari. Não perdoou o rapaz e fez questão de soar o gongo, por causa do primeiro verso, desagradável na sua opinião: “São João, São João, compadre da Virgem Maria.” Justificativa de Ari para desclassificar o candidato: “Meu filho, não crie problemas familiares em meu programa.”

Ari gostava de parecer mal-humorado na frente do público, mas exibia infinito humor com os amigos. Extremamente mulherengo, abordava toda a mulher que considerava bonita. Certa noite, seu automóvel colidiu com o carro da frente, porque não tirou o olho de uma moça que estava na calçada. Numa noite, em companhia do cantor Jorge Veiga, exaltava uma mulher com quem teria passado a noite anterior. Comentou sobre o corpo, as pernas e o rosto, despertando a curiosidade de Veiga, que perguntou como eram os seios. “Alabastrinos, Jorge, alabastrinos”, respondeu Ari. Veiga morreu sem saber como eram os seios da moça.

Carnaval de luto
Sabia ser sério também e brigou muito pelos direitos autorais, grave problema desde a sua época. Em 1946, graças à popularidade, foi o segundo mais votado pela UDN na eleição para a Câmara de Vereadores do então Distrito Federal, no Rio. Morreu de cirrose hepática, num domingo de Carnaval de 1964, enquanto sua escola de samba preferida, Império Serrano, desfilava na avenida Presidente Vargas.

VOCÊ SABIA?
Estreou como locutor esportivo narrando corridas de automóveis. Mas se consagrou como narrador de partidas de futebol, embora não primasse pela imparcialidade. Ficou conhecido por tocar uma gaita-de-boca toda vez que o Flamengo marcava um gol, que ele festejava com a maior cara-de-pau. Mas se o rubro-negro era atacado com perigo e Ari pressentia que tomaria um gol, ele virava-se de costas e dizia: “Não vou olhar, não vou olhar…”

PALCO:
· Faceira (1931)
· No tabuleiro da baiana (1937)
· Quando eu penso na Bahia (1938)
· Camisa amarela (1938)
· Aquarela do Brasil (1939)
· É luxo só (1958)

 

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