A verdadeira Dimensão de J. Carlos

 

 

 

 

Dos quase 100 mil desenhos que, calcula-se, J. Carlos publicou na primeira metade do século passado, nem 1% está à disposição do público em livros e revistas, embora ele ainda seja a maior influência da imprensa brasileira. Há dez anos, o cartunista Cássio Loredano, do Estado, tenta corrigir essa lacuna e deve lançar, dentro de um ano, mais dois volumes sobre o autor, completando uma coleção que já tem quatro títulos: O Rio de J. Carlos; J. Carlos – Carnaval; Lábaro Estrelado – Nação e Pátria em J. Carlos; e J. Carlos contra a Guerra. “Vou pesquisar seu trabalho nas revistas O Malho e Para Todos…, nos anos 20, período fundamental da história do Brasil”, adianta. “E a designer Julieta Sobral, neta de Lúcio Costa, vai editar sua dissertação de metrado sobre o artista gráfico J. Carlos.”

 

Loredano começou a pesquisar J. Carlos em 1995, quando ganhou uma bolsa da prefeitura do Rio para levantar seu acervo, boa parte guardada com a família do artista, em Petrópolis. “De 1902 até o início da década de 1950, encontrei esse número absurdo. Não me interessam seus originais, mas as publicações impressas. E foram muitas”, conta Loredano. “Entre 1908 e 1921, ele era o principal desenhista da revista Careta, de sátira política. Então, tornou-se diretor gráfico do grupo Pimenta de Melo, que editava O Malho, principal concorrente da Careta, Para Todos… (uma revista de variedades, voltada para a mulher), Tico-Tico e Cinemania. Essa mudança sacudiu o mercado editorial da época.”

 

Para Loredano, o Brasil moderno formou-se nos anos 20. “Teve o tenentismo, a Semana de Arte Moderna, a Coluna Prestes, a presidência de Arthur Bernardes em permanente estado de sítio. Foi também época de mudanças de costumes, de conflito entre o Brasil urbano, que queria força política, e o rural, que mandava no País, e termina com a Revolução de 30”, enumera. “Como J. Carlos tinha, além do traço elegante, sensibilidade privilegiada para captar o momento político e os personagens históricos ou anônimos, é fundamental saber como ele retratou esse período. Não havia fotografia e suas ilustrações são a informação visual da época. Apesar de aristocrata, conservador, ele apoiou as idéias progressistas da década. Foi, por exemplo, pioneiro no combate ao nazismo.”

 

 

A revista Para Todos… é encontrada facilmente em bibliotecas ou com colecionadores, mas O Malho desse período (havia sido fundada no século 19) só existia “em frangalhos”, como alerta Loredano, na Biblioteca Nacional. “Então, encontrei a coleção quase completa na Biblioteca Central do Estado, em Salvador, que todos chamam de Biblioteca dos Barris, e esta será minha fonte de pesquisa. Vamos digitalizar todas as páginas de todos os exemplares das duas revistas, mais de mil, pois eram semanais, e publicar um livro com pelo menos 200 ilustrações, além do texto de um historiador contextualizando a obra e comentários meus sobre os desenhos.”

 

Além de inovar nessa área, J. Carlos revolucionou também a diagramação das revistas. Julieta Sobral surpreendeu-se quando iniciou sua dissertação de mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio. “Os anos 20 eram meu assunto e um professor me indicou um texto sobre J. Carlos, de quem só se fala dos desenhos. Mas seu trabalho gráfico tem um frescor e uma inovação que não se encontra em nenhum outro designer. Ele absorveu toda a informação que vinha de fora e criou um trabalho pessoal e brasileiro. Com computador, parece simples desenhar aquelas páginas, mas na composição a chumbo, era quase impossível, um trabalho artesanal. Em 1935, a Harper´s Bazaar começou com isso, mas J. Carlos já havia feito isso uma década antes.”

 

Os dois livros e a pesquisa para realizá-los serão financiados pela Petrobrás, que investe R$ 260 mil, pela Lei Rouanet, para a digitalização, um CD-ROM com todos os exemplares de Para Todos… e O Malho, a edição de J. Carlos Designer Gráfico, de Julieta, e o J. Carlos nos Anos 20, de Loredano (cada um com 3 mil exemplares). “Não queremos um livro de arte, mas um livro ao alcance de todos os bolsos. Assim, ficam faltando seu trabalho para crianças, especialmente na revista Tico-Tico, J. Carlos Publicitário, cuja edição está com a Ediouro, o texto com Lula Vieira e J.Carlos de Luxo, com seus melhores desenhos, este sim, um livro de arte. Aí, minha função estará finalizada”, diz ele.

 

 

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