A Mulher na História do Brasil

Um pouco de história

A mulher na história do Brasil, nas palavras da historiadora Mary del Priore, tem surgido recorrentemente sob a luz de estereótipos, dando-nos enfadada ilusão de imobilidade. Auto-sacrificada, submissa sexual e materialmente, à imagem da mulher de elite opõem-se a promiscuidade e a lascívia da mulher de classe subalterna.

Tais estereótipos, sem dúvida, buscam negar o papel histórico da mulher na constituição da sociedade brasileira, esquecendo que sua participação na vida política do país é tão antiga quanto a chegada dos portugueses no Brasil, conforme pesquisa da historiadora Maria Lúcia de Barros Mott.

Baseadas em documentos do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher – Cedim/RJ e do IPEA, Cartilha para Mulheres Candidatas a Vereadoras – 1996, buscamos sintetizar a história das lutas e conquistas pela emancipação da mulher.

Nos últimos 150 anos, o movimento feminista tem sido responsável por diversas conquistas na vida das mulheres. No entanto, embora muito tenha sido realizado, elas ainda vivem numa sociedade que lhe dá respostas ineficazes, onde a supremacia dos homens, maioria no comando da situação, ainda faz com que as políticas públicas não atendam aos verdadeiros anseios da população feminina.

A história de lutas e conquistas de tantas mulheres, muitas delas mártires de seu ideal, no decorrer de quase dois séculos, leva a humanidade a iniciar um novo milênio diante da constatação de que ela buscou e conquistou seu lugar. Mais que isso, assegurou seu direito à cidadania, legitimando seu papel enquanto agente transformador.

No Brasil, após 1850, surgiram as primeiras organizações de mulheres que lutavam pelo direito à instrução e ao voto. Depois de longo silêncio, a voz feminina manifestava-se na boca e na pena de Nísia Floresta (1809-1885), abolicionista, republicana e feminista nascida no Rio Grande do Norte. Ardorosa defensora da educação feminina, denunciou a ignorância em que eram mantidas as meninas, protestou contra a condição de dependência em relação aos homens, criada pelo desprezo com que era vista a educação das mulheres.

A baiana Violante Bivar e Velasco fundou em 1852 o primeiro jornal dirigido por mulheres: o Jornal das Senhoras e, em 1873, a professora Francisca Senhorinha da Motta Diniz criou em Campanha, Minas Gerais, o jornal feminista O Sexo Feminino.

No início deste século, o comércio e as fábricas passam a absorver cada vez mais a mão-de-obra feminina e essa incorporação na produção social criou as raízes dos movimentos da libertação feminina. A incorporação possibilitava uma independência econômica e, conseqüentemente, quebraria os laços da dominação do homem e da família. Em novembro de 1917, a Professora Leolinda Daltro, depois de fundar em 1910 o Partido Republicano Feminino, lidera uma passeata exigindo a extensão do voto às mulheres (desde o século passado o voto era acessível aos homens), mesmo ano em que Anita Malfati realiza a que é considerada a primeira mostra de arte moderna brasileira.

No ano seguinte, Bertha Lutz publica na Revista da Semana uma carta denunciando o tratamento dado ao sexo feminino e propõe a formação de uma associação de mulheres, visando “canalizar todos esses esforços isolados”. Quatro anos depois (1922) é constituída no Rio de Janeiro a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, sob sua liderança.

Em 1932, o governo de Getúlio Vargas formado após a Revolução de 1930, promulgou o novo Código Eleitoral pelo Decreto nº 21.076, garantindo finalmente o direito de voto às mulheres brasileiras. Nas eleições de 1933, convocada para a Assembléia Nacional Constituinte, foram eleitos 214 deputados e uma única mulher: a paulista Carlota Pereira de Queiroz. Bertha Lutz, concorrendo pelo Distrito Federal (RJ), foi eleita primeira suplente. Neste processo constituinte havia 40 deputados classistas e dentre estes figurava também uma mulher, a trabalhadora Almerinda Farias Gama, representante do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos e da Federação do Trabalho do Distrito Federal.

Conquistado o direito ao voto feminino, o movimento não teve forças para superar a despolitização das massas femininas e a organização que Bertha Lutz e suas companheiras tinham criado quase que desaparece. As mulheres continuaram por muitas décadas ainda vivendo uma posição inferior na sociedade brasileira.

“Não se nasce mulher: torna-se mulher.”

Na década de 60, na Europa e Estados Unidos, surge, ou ressurge, um novo feminismo, apoiado principalmente no livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, publicado em 1949.

Quando a Organização das Nações Unidas (ONU) institui o ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher, ressurgge o feminismo no Brasil. No Rio de Janeiro é fundado o Centro da Mulher Brasileira (CMB) e, em São Paulo, é criado o Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira (CDMB).

A experiência demonstra que a história de luta das mulheres brasileiras, embora pontuada por obstáculos, e com uma articulação limitada com o Estado, não pode mais ser ignorada pois tem contribuído valorosamente para mudar a cara do Brasil.

Atualmente, centenas de grupos se espalham país afora, mas a mulher continua sendo uma trabalhadora discriminada: nossa ausência nas esferas das decisões e execuções de políticas públicas, nos organismos de classe, nas hierarquias das igrejas e nos partidos políticos é a manifestação mais clara da exigência de um novo espaço social e de novas relações entre os sexos.

A existência palpitante das lutas feministas pode ser mensurada pelo movimento Articulação de Mulheres Brasileiras que entre 1994 e 1995 mobilizou centenas de brasileiras para redigir um documento reivindicatório para a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher (Beijing, 1995). Foram 91 eventos envolvendo mais de 800 grupos femininos em todo o país. A discussão do documento oficial do governo brasileiro contou igualmente, durante sua elaboração, com a reflexão feminista

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