A incrível loja de chocolate

 

Ao contrário do que diz o ditado, as coisas não mais acabam em pizza. Aqui, elas acabam agora em chocolate

O Brasil só não é um mundo ficcional, uma realidade paralela de um realismo mágico literário – e tenebroso – porque é Brasil. Aqui o surrealismo é a verdade mais comum. E ela é crua, violenta e debocha da nossa cara, cotidianamente.

Quando Flávio Bolsonaro, senador e, não coincidentemente, filho do presidente da República, Jair Bolsonaro, compra uma mansão em Brasília que vale R$ 6 milhões, bem no meio  de tantas investigações entre rachadinhas, ligação com milícias e lavagem de dinheiro através de compras e vendas de imóveis, além de uso duvidoso de uma loja de chocolates num shopping, ele na verdade está mandando um recado: “vocês não entenderam. Aqui quem manda é meu pai, assim como a impunidade travestida de moral e, ao contrário do que diz o ditado, as coisas não mais acabam em pizza. Aqui, elas acabam agora em chocolate”.

O valor da mansão de Flávio Bolsonaro é quase quatro vezes maior que o patrimônio declarado por ele em 2018. Como ele conseguiu comprar? Bem, ele disse que foi justamente com dinheiro da sua loja de chocolate – uma franquia da Kopenhagen, em que ele repassou sua participação na sociedade, recentemente.

E parece de fato que a pizza tem dado lugar ao chocolate como figura de linguagem – muitas vezes saindo da linguagem e se tornando de fato realidade – na resolução de investigações e manutenção da impunidade, já que na semana passada, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as quebras do sigilo bancário e fiscal da investigação da rachadinha, acolhendo um recurso da defesa do senador.

Dessa forma, as principais provas da denúncia apresentada no fim do ano contra Flávio pelo Ministério Público do Rio de Janeiro deverão ser descartadas. É bom lembrar que a denúncia apontava que 12 funcionários fantasmas lotados no seu gabinete na Alerj teriam desviado R$ 6,1 milhões dos cofres públicos. Mas obviamente deve ser só coincidência. Sem falar também que a nova promotora que investiga o caso é madrinha de casamento da advogada de, olha só: Flávio.

Aqui parece que deus é um Jorge Amado do caos, reescrevendo uma história tão absurda e cruel de Capitães de Areia. Aqui os infratores são ricos, brancos e não representam uma crítica social, mas a impunidade, e desdenham das mortes em meio a uma pandemia de Covid-19, ao contrário da Varíola da obra original. Aqui, os capitães de areia são da família presidencial e riem da cara de um país inteiro, entre ainda parcos apoiadores, desempregados miseráveis e mais de 250 mil mortos oficiais.

Aqui, de Copenhague Conká só a franquia. Só a fantástica loja de chocolates que faz milagres. Que lava, passa, dobra e guarda. Mas é como disse Tim Maia, o “síndico” do Brasil:

“Não quero chá, não quero café

Não quero coca-cola

Me liguei no chocolate

Eu me liguei!

Só quero chocolate

Não adianta vir com guaraná

Pra mim é chocolate

O que eu quero beber

Chocolate! Chocolate! Chocolate!

“O senhor aceita um cafezinho?

Não, eu quero é chocolate!”

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