A felicidade não se compra – um filme de 1946 para o Natal de 2017

HOJE

Por Jose M. Bastos

A resposta depende, como sempre, e obviamente, de quem o vê. Será afirmativa se, tal como George Bailey, a personagem central da história, o espectador for um idealista formado nos princípios da solidariedade e da partilha com os seus concidadãos. Se, pelo contrário, se tiver rendido à lógica da usura e da procura do lucro a qualquer preço que se tornou a ‘religião’ dos nossos dias então achará este ‘It’s a Wonderful Life’ um filme com um discurso ultrapassado, ao gosto das ‘esquerdas’ mais ou menos radicais ou, com alguma condescendência, uma ‘treta sentimental’ como diz Henry F. Potter, outra personagem da trama.

Em 1947, Frank Capra era uma das grandes figuras do cinema norte-americano. Na década anterior ‘só’ tinha conquistado cinco ‘Oscars’ – dois do melhor filme e três de melhor realizador e em 1943 o ‘Oscar’ para o Melhor Documentário – ’Prelude to War’ – um dos vários retratos que fez da 2ª Guerra Mundial. A abordagem que fez do conflito valeu-lhe as mais altas distinções americanas e britânicas. Italiano, nasceu na Sicília no final do século XIX, no seio de uma família pobre, analfabeta e numerosa, que no início do século passado emigrou para os Estados Unidos. Naturalizado norte-americano, ao mesmo tempo que trabalhava em empregos precários formou-se em Engenharia Química e, em 1922, realizou o seu primeiro filme.

Seguiu para Hollywood na altura já a ‘Meca’ do cinema… ainda mudo. Aí foi ‘pau para toda obra’. Escritor de argumentos trabalhou com Mack Sennet e para a ‘Columbia’, uma produtora quase desconhecida. Em 1934 ganhou dois ‘Oscars’ com ‘It Happened One Night’. Em 1936 o de melhor realizador com ‘Mr. Deeds Goes to Town’ e em 1938 outros dois, com ‘You Can’t Take It With You’. Depois da guerra fundou, com William Wyler e Georges Stevens a sua própria produtora: a ‘Liberty Films’. Foi aí que fez ‘It’s a Wonderful Life’ / A felicidade não se compra, ‘Globo de Ouro’ de 1947 para o melhor realizador. Frank Capra morreu em 1991 com 94 anos.

A felicidade não se compra é a história de um homem, George Bailey, representado por James Stewart, que numa pequena cidade americana se vê à frente de uma empresa fundada pelo pai. Uma espécie de cooperativa na qual as pessoas colocavam as suas economias que serviam para financiar a construção das suas próprias casas. Assim escapavam ao raio de influência de Henry Potter o magnata que dominava a terra e que também construía casas que as pessoas habitavam, mas em troca de rendas exorbitantes.

A oposição entre estas duas figuras, e afinal entre duas concepções do mundo e da vida, é o tema central desta obra, que tem ainda uma componente transcendental ou religiosa: a presença de um anjo caído do céu que vem à terra salvar, na noite de Natal, um George Bailey mergulhado em dificuldades e à beira do suicídio. Mas nem os ateus ou agnósticos mais empedernidos deixarão de sorrir perante a figura de um anjo que tem que cumprir satisfatoriamente a missão que lhe foi confiada e assim e, finalmente, ganhar as asas que espera há duzentos anos.

A felicidade não se compra, eleito em 2006 como o filme americano mais inspirador da História, em votação promovida pelo American Film Institute, é, nos nossos dias, um filme contra a corrente e contra os discursos dominantes. Com setenta anos de antecipação um filme ‘anti-trumpista’. Um hino ao humanismo e à solidariedade e um libelo contra a usura, a especulação e a obsessão pelo lucro. E, ainda por cima feito por um emigrante… Mas não foram emigrantes os grandes nomes do cinema norte-americano durante boa parte do século XX?

 

Fonte: Tornado; adaptado para o português do Brasil por José Carlos Ruy

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