Neste texto comovente, que está nas orelhas da biografia “Aurélio Peres — vida, fé e luta”, de Osvaldo Bertolino, o jornalista Carlos Alberto Azevedo, que conhece bem o personagem do livro, traça uma breve síntese da vida e da obra do biografado.
Se servistes à pátria que vos foi ingrata…
Carlos Alberto de Azevedo*
Antes de ler este livro, quando pensava em Aurélio Peres me vinha à mente sua figura de homem magro e simples, de sorriso fácil, afetuoso no trato, mas firme nas atitudes. Ouvindo mais que falando, de ideias claras e ação pronta. Mas sobretudo eu o associava à ideia de proletário. Não somente o operário, construtor da riqueza que o empresário desapropria por meio da mais-valia, que ele foi. Mas do proletário revolucionário, da estirpe humana mais avançada, construtor do futuro, aquele comunista, o mais próximo possível do homem completo de que falava Karl Marx, que ele também foi e continua a ser.
Depois de ler este livro de cabo a rabo, livro excelente, rico na pesquisa, correto na perspectiva histórica, declaro que não mudei em nada minha ideia. Este é o Aurélio Peres que eu conheci.
É notável como os verdadeiros cristãos e os comunistas têm semelhanças. O papa Francisco falou um dia desses: “os comunistas pensam como os cristãos”. Aurélio percorreu esse caminho, de cristão a comunista (é capaz que converse com Deus até hoje). Mas o seu modo de ser nasceu com ele, antecede mesmo sua educação cristã, estava com ele quando, menino, guiava um cavalo arando a terra de seu pai.
Aurélio tem aquele gesto generoso dos primeiros cristãos, e dos comunistas, de doar tudo de si sem nada esperar em troca. Franciscanamente pobre, criou sua pequena e linda família sempre na mesma casinha do bairro humilde da Zona Sul de São Paulo, inclusive nos oito anos em que foi deputado federal, eleito pela classe operária.
De aparência tímida, organizou e liderou multidões, ajudou a formar os oceanos de pessoas que fizeram greves, lutaram contra a carestia e, nas ruas e praças, clamaram pela democratização. Fez discursos brilhantes que estão registrados lá nos anais da Câmara dos Deputados. Tolerante e talentoso nas negociações com companheiros de partido e adversários, mas firme nas ideias socialistas, ágil nos debates, imune às provocações. Deu significado à sua passagem pelo Parlamento.
Quando saiu, tão pobre quanto no dia em que entrou, não conseguiu emprego. Voltando às fábricas onde trabalhara lhe diziam: “não podemos dar emprego a um ex-deputado federal”. Ainda mais comunista. Afinal, teve que aceitar algo que não queria: um cargo público, ali ficando por anos como um peixe fora d´água.
Isso faz lembrar o sermão de Padre Vieira na Quaresma, em 1669, 350 anos atrás: “Se servistes à pátria, que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma”.
Num período de tantos conflitos e desencontros políticos, um homem reto assim não tinha cabimento. Foi esquecido por todos nós. Mas a História, essa toupeira paciente e persistente, vem por aí. Este livro competente começa a lhe fazer justiça.
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* Jornalista. Na resistência à ditadura militar foi militante de Ação Popular Marxista-Leninista (APML) e do PCdoB. Foi editor do jornal Libertação, colaborador de A Classe Operária e da Tribuna da Luta Operária. Colaborou com o jornal Movimento. Foi repórter da revista Realidade e do programa de TV Globo Rural. Participou das campanhas presidenciais de Lula na TV em 1989 e 1994. Tem 78 anos e escreve livros.
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