Caros leitores, o que vocês acham da renúncia fiscal de 9 milhões de reais concedida aos produtores do espetáculo “Alegria” do Cirque du Soleil por meio da Lei Rouanet?
Considere ainda na análise que o ingresso para esse espetáculo custa a partir de R$ 130 podendo chegar a R$ 400. Considere que essa renúncia fiscal é indiretamente a entrega de dinheiro público para um particular que pretende obter lucro com esse empreendimento.
Considere também a distância que as pessoas menos favorecidas vão poder estar desse espetáculo bancado com dinheiro público. Por derradeiro, considere que não há nenhuma ilegalidade nessa conduta e que os produtores apenas estão “usando” um benefício existente numa lei editada em 1991 e que não é contestada por quase ninguém.
A Lei 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet, prevê que as empresas ou as pessoas físicas poderão deduzir parte do imposto devido com os valores contribuídos em favor de projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura.
O caso do Cirque du Soleil é emblemático e vem provocando questionamentos quanto ao real objetivo dessa renúncia fiscal, originalmente criada para incentivar as artes e a cultura no nosso país e ampliar o acesso dos brasileiros a essas manifestações.
Em outras palavras qual é o sentido de se dar dinheiro público para espetáculos consagrados e que se sustentariam, de forma independente, apenas com a venda dos ingressos?
Se observarmos as peças de teatro em cartaz, especialmente, as de maior sucesso de público, notaremos que 100% delas receberam dinheiro advindo da Lei Rouanet, sendo que em todas o acesso às pessoas mais pobres é na prática vedada em razão dos altos preços dos ingressos.
Mas ainda que a Lei Rouanet mereça reparos nesses casos (poderíamos criar uma espécie de cota para as pessoas mais pobres, por exemplo), pelo menos estamos produzindo arte no nosso país, já no caso do Cirque du Soleil o espetáculo é inteiramente importado não me parecendo que haja qualquer justificativa para tamanha renúncia fiscal.
A Lei Rouanet lista os objetivos do governo com a renúncia fiscal, a saber: 1) contribuir para facilitar, a todos, os meios para o livre acesso às fontes da cultura e o pleno exercício dos direitos culturais; 2) promover e estimular a regionalização da produção cultural e artística brasileira, com valorização de recursos humanos e conteúdos locais; 3) apoiar, valorizar e difundir o conjunto das manifestações culturais e seus respectivos criadores; 4) proteger as expressões culturais dos grupos formadores da sociedade brasileira e responsáveis pelo pluralismo da cultura nacional; 5) salvaguardar a sobrevivência e o florescimento dos modos de criar, fazer e viver da sociedade brasileira; 6) preservar os bens materiais e imateriais do patrimônio cultural e histórico brasileiro; 7) desenvolver a consciência internacional e o respeito aos valores culturais de outros povos ou nações; 8) estimular a produção e difusão de bens culturais de valor universal formadores e informadores de conhecimento, cultura e memória; 9) priorizar o produto cultural originário do País.
Diante dos objetivos listados na Lei Rouanet, será que encontraremos alguma justificativa para o patrocínio (com dinheiro indiretamente público) de nove milhões de reais ao Cirque du Soleil. Acredito que não.
Devemos começar a debater de forma ampla esses benefícios fiscais, pois considerando todos os setores da economia a renúncia fiscal chegará a monstruosos R$ 65 bilhões no ano de 2007, numa ampla lista de setores que vai de montadoras de veículos à filantropia, os quais, ainda que possam ser merecedores de isenções e outros benefícios, precisam ser fiscalizados e devem demandar uma grande transparência, até porque tratam-se de recursos públicos e a sua concessão precisa ser discutida de forma ampla e democrática.
http://ultimainstancia.uol.com.br/colunas/ler_noticia.php?idNoticia=43143
Marcelo da Silva Prado
15/10/07