Brasil reafirma cultura popular em Moscou

 

A recriação da cultura popular por Antônio Nóbrega e os bonecos “centimentrais” do grupo Caixa de Imagens, ambos de São Paulo, introduziram os russos à estação brasileira de artes cênicas que integra o 6º Festival Internacional de Teatro Tchecov.

O segmento começou no dia 2 em pleno verão de uma Moscou sob média de 30C. O “Lunário Perpétuo”, de Nóbrega, e “O Fotógrafo”, primeiro da série de três espetáculos que o Caixa de Imagens apresentará ao longo do evento, serviram ao recorte da curadoria para ressaltar o caráter mais popular e artesão do teatro, principalmente aquele erguido num contexto urbano, e para sondar uma cena contemporânea brasileira por meio de dramaturgia e encenação propriamente ditas.

Valeri Shadrin, diretor-geral do festival, anseia por “diversidade” no curto painel que inclui ainda o grupo Oficina Uzyna Uzona, dirigido por José Celso Martinez Corrêa, cuja montagem de “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues, estréia hoje no teatro Pushkin; o “Fausto Zero”, de Gabriel Villela, um olhar barroco para a obra de Goethe; e o “Ensaio.Hamlet”, da Cia. dos Atores, do Rio, encenação de Enrique Diaz.

O multiartista pernambucano Nóbrega superou desafios como o atraso no transporte do material cênico e a falta de ritmo do espetáculo na primeira das três noites de “Lunário Perpétuo”, projeto de 2002 que conjuga dança, música e teatro para traduzir em cena o conceito de almanaque, livro de tradição nordestina com dados históricos, mitológicos, científicos e climáticos que muito serviram à inspiração de cantorias e aos estudos de Câmara Cascudo.

Não por acaso, parte da imprensa moscovita tratou o projeto como um show folclórico. Visão reducionista (as elaborações gestual e musical são sofisticadas), mas natural para uma cidade que há quatro anos caiu no samba com a visita da Vai-Vai. A platéia que lotou cerca de 70% do teatro Mossovet vibrou mais nas passagens com batuque, como na gira de Rosane Almeida no maracatu “Estrela Dalva”. A celebração com o público firmou-se de vez ao final, quando Nóbrega e seus brincantes conseguiram formar uma longa ciranda que vazou para o saguão, embalada por cantigas. Coisa comum no Brasil, mas o espectador russo não se deixa levar com facilidade, como comprova o diretor do festival.

O Caixa de Imagens ocupou o mesmo Mossovet com “O Fotógrafo”, em sessões que antecederam a “Lunário Perpétuo”. Durante duas horas, formou-se fila única para a apresentação individual em que o espectador senta num banco e é envolto por um cobertor. Assiste a uma história que dura três minutos: um flash no cotidiano de um fotógrafo lambe-lambe, um boneco de 5 centímetros. “Nunca vi teatro com bonecos desse tamanho”, diz o estudante Alexey Lazarev, 13.

Com crítica elogiosa da imprensa local, o grupo formado por Mônica Simões, Evelyn Cristina e Carlos Gaúcho também trouxe a Moscou mais dois espetáculos: um baseado em “Otelo”, de Shakespeare, e outro em homenagem a Federico Garcia Lorca.

Com um orçamento de 200 milhões de rublos (cerca de R$ 16 milhões), o Festival Internacional de Teatro Tchecov -homenagem ao dramaturgo Anton Tchecov (1860-1904)- teve início em abril, com dois projetos do francês Patrice Chéreau (um deles, montagem baseada em “Notas do Subterrâneo”, de Dostoiévski), mas concentra a programação em junho e julho.

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