INVENTORA DA MÃE BENTA

 

 

 

Nem sempre foi monótona a vida do antigo high-life carioca. Divertia-se de conformidade com os recursos da época.

Houve também saraus, reuniões, partidas e convescotes. Entre os primeiros tornaram-se afamados os da casa do doutor Antônio Francisco Leal, em cuja família era hereditário o gosto pela música. Ele e seus dez filhos eram eminentes virtuosi, não fazendo exceção às senhoritas, bem-educadas e perfeitas damas de salão.

Conta-se até: para obsequiar o almirante Sidney Smith, a família Leal dirigiu-se a bordo no navio Frodouyant e ali, em presença de muitos convidados de distinção, efetuou-se verdadeira matinê cantante, sendo pelo velho Leal, médico distinto, e seus descendentes, executada por inteiro uma ópera italiana.

Passava-se isto no tempo do príncipe regente dom João, e às recepções da família Leal não faltavam os próprios ministros do futuro rei.

Era freqüentador constante o conde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Menezes, que até a morte, 30 de dezembro de 1809, residiu na grande casa da rua das Marrecas em frente ao chafariz demolido. No convento de Santo Antônio foram sepultados os despojos deste fidalgo, cujo pouco apreço às cousas do Brasil, o levou à cometer imprudências e quiçá atos de má educação.

Diz a crônica: de uma feita o conde, por ocasião do chá, provara de um bolo – verdadeira novidade. Achou-o saboroso. Uma das filhas do dono da casa perguntou-lhe se conhecia a matéria de que era feito o referido bolo, que sua excelência estava comendo. – Naturalmente de farinha de trigo e ovos. – Pois saiba que é ele indústria brasileira e feito por fórmula especial, e chama-se bolo de mãe benta. Tanto bastou para que o Anadia lançasse pela janela o pedaço do bolo que tinha na mão, e mostrando repugnância e arrependimento de o haver provado começasse a cuspinhar como que enjoado. Não pensam felizmente assim os senhores Doumer, Turot e Ferrero, que acharam supimpas os bolinhos de mãe benta. Há um inglês que todos os anos vem ao Rio para comer esses bolinhos e as empadas do Pascoal.

Sou também apaixonado pelos bolos de mãe benta. Não há dia em que não coma um, acompanhado de uma bela xícara de café do Cascata.

No dia 17 houve sessão extraordinária e a ela compareceu o meu velho amigo doutor Xavier da Silveira. Ao despedir-se, convidei-o para se demorar e apreciar uma mãe-bentinha. – Não posso, e desde já o emprazo para escrever alguma coisa sobre a verdadeira inventora desse bombom, cuja fama vai passando à posteridade, apesar de todas as nossas modernices. Fiquei embatucado com a pergunta de algibeira e arrependi-me até da minha gentileza.

Sabia que nas despensas de muitas casas antigas se guardavam as forminhas próprias para se levar ao forno os saborosos bolinhos. Tinha lido até antigos cadernos de receitas, onde as nossas velhas donas de casa registravam as receitas das desmamadas, dos pudins de laranja das viúvas, pastéis de Santa Clara, canudos desfolhados, suspiros, babas-de-moça, doces de calda, empadas de palmito e camarão, bons-bocados e outras tantas guloseimas, infelizmente destronadas pelos bombons, savarins, et reliqua.

Conhecia por experiência própria que as freiras da Ajuda tinham guardado o segredo da fabricação das mães-bentas, que por elas fabricadas: é comer e pedir mais.

Que eram essas religiosas que forneciam em tempos antigos o cardápio das “lautas” mesas de doces por ocasião de casamentos e batizados. Nos copos-de-água, doces que não viessem da Ajuda não tinham valor algum. E isso se dava quando ainda não havia confeitarias no Rio de Janeiro. Não tinham aparecido o Carceller, o Guimarães, o Francioni, o Neves do largo do Capim, a viúva Castagnier do Braço de Ouro (rua dos Ourives), o Castelões, o Deroche, o Camarinha, o Justina da rua da Cadeia, etc. Hoje quem encomendasse um serviço às freiras da Ajuda passaria por grande retrógrado, indigno do título de smart e desertado das vias do progresso!

Os meus conhecimentos de folclore sobre o assunto limitavam-se somente aos seguintes versos cantados pela arraia miúda:

Mãe Benta, me fia um bolo?
Não posso, senhor tenente
Os bolos são de iaiá
Não se fia a toda gente

Andava eu em perfeita labuta de espírito, quando, providencialmente, me aparece o comendador José Luiz Alves. Recordava ele as glórias de Mont’Alverne no célebre sermão de São Pedro de Alcântara, pregado na Capela Imperial, em 19 de outubro de 1854, ao qual ele comendador assistira com seu irmão, o falecido doutor Tomás Alves.

No meio dos arroubos de entusiasmo, engatilhei-lhe, à queima-roupa, a seguinte pergunta: o senhor, que sabe tanta coisa, não é capaz de dizer quem foi a mãe Benta?

– Pois não. Era mulher de cor preta, que vivia de fazer doces. Sua casa foi sempre freqüentada pelos mais importantes vultos do tempo da Regência. À sua mesa sentou-se, por várias vezes, o regente Feijó, que ia apreciar os petiscos feitos pela velha, e saborear, depois do café, os apetitosos bolinhos, que se tornaram moda. Olhe, a mãe Benta foi progenitora do cônego Geraldo Leite Bastos, que morreu oficial-maior da Secretaria do Senado, tipo de lealdade, de dedicação a amigos, de amor filial, caridoso, humanitário, modesto e grande patriota, sem ambições!

Estava salva a pátria. Tratei de verificar as   asserções do amável comendador. Com efeito, a mãe do cônego Geraldo chamava-se Benta Maria da Conceição Torres. Faleceu em 30 de agosto de 1851 e foi, no dia seguinte, sepultada no carneiro nº 2804, do cemitério de São Francisco de Paula.

Quem de ora avante saborear um bolo da mãe-benta sempre se lembrará da mulher honesta e amante do trabalho, que com o produto de suas mãos pode e soube educar um filho, grande patriota, perfeito homem de bem, de caráter imaculado.

Nele sempre encontrou Feijó verdadeiro amigo ou antes dedicado irmão. Foi Geraldo quem escreveu a melhor biografia do antigo Ministro da Justiça de 1831 e depois regente do Império, tipo de verdadeira abnegação, de largo nome e eterna memória.

[1907]

(José Vieira Fazenda. In BANDEIRA, Manuel; ANDRADE, Carlos Drummond de

 

DUAS RECEITAS

I

500g de açúcar refinado
500g de fubá de arroz
500g de manteiga
1 coco ralado
9 gemas
4 claras

Bata o açúcar com as gemas, junte a manteiga e em seguida o fubá, colher por colher. Misture o coco e por último as claras que devem ser batidas separadamente. Leve ao forno em forminhas forradas com papel e untadas com manteiga.

II

2 xícaras de fubá de arroz
2 xícaras de açúcar
1 xícara de manteiga
6 ovos (sendo somente 3 com as claras)
leite de 1 coco

Misture bem o açúcar com a manteiga, depois as gemas, o fubá, o leite de coco e por último as claras como para suspiro. Ponha em forminhas de papel apropriadas e asse em forno quente.

 

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