O Tempo dos Que Trabalham

 

1º de Maio: a história de um dia que nunca foi só feriado, mas trincheira de dignidade, sangue e esperança

Na alvorada de 1º de Maio de 1886, milhares de trabalhadores deixaram suas casas não para trabalhar, mas para dizer basta. Não queriam luxo, não exigiam favores. Lutavam, simplesmente, por tempo — oito horas diárias para o labor, oito para o descanso, oito para viver. Um gesto simples, mas que desafiava os alicerces do mundo capitalista nascente.

Não foi a primeira vez que essa ideia ousada tomou forma: vinte anos antes, ela já pulsava nas páginas da 1ª Internacional, entre as linhas escritas por homens que, mesmo esmagados pela engrenagem industrial, enxergavam longe. Acreditavam que o tempo livre era chave para a emancipação. Afinal, como poderia o trabalhador conquistar sua liberdade se não tivesse sequer tempo para pensar em liberdade?

Mas o poder raramente se dobra sem mostrar os dentes. Chicago, palco principal daquele maio, viu sangue correr pelas calçadas. Pancadas, tiros, prisões. Oito líderes sindicais foram jogados atrás das grades — cinco para nunca mais verem o sol. Não morreram em vão: tornaram-se os Mártires de Chicago, e seus nomes, silenciosos, ecoam até hoje em cada luta por justiça social.

Quatro anos depois, em Paris, a memória virou bandeira: o 1º de Maio foi oficializado como o Dia Internacional dos Trabalhadores. Uma data, enfim, em que o mundo inteiro marcharia junto, em uma só voz, para lembrar que a história do trabalho é, sobretudo, a história da resistência.

A partir dali o calendário ganhava uma data incômoda para os donos do poder. Uma data que lembrava que a luta de classes não era teoria, mas vida vivida. O movimento operário ganhava corpo, voz, partidos, ideias. E ideias — como Marx e Engels sabiam — têm o hábito de sobreviver ao aço e à pólvora.

Veio a Revolução Russa, e com ela o 1º de Maio se revestiu de um novo sentido: celebrar não apenas a luta, mas o poder dos trabalhadores no comando de um país. Um símbolo de que o mundo podia, sim, ser outro — e mais justo.

Com o tempo, as lutas se multiplicaram. Contra o imperialismo, pela paz, por nações livres. Novos gritos se somaram ao antigo clamor por dignidade. Mas, como era de se esperar, os donos do capital tentaram esvaziar o sentido da data. Pintaram-na de cores neutras, embrulharam-na em shows e sorteios. Tentaram apagar o vermelho do sangue com o cinza do esquecimento.

Mas o tempo — esse velho operário incansável — não se deixa domesticar. E a realidade, teimosa, continua a gritar nos ombros curvados de quem trabalha, nos olhos cansados de quem pega dois ônibus, nos corpos exaustos de quem sonha com 40 horas semanais e um pouco de vida entre um turno e outro.

O Primeiro de Maio insiste em sobreviver. Porque o capitalismo, mesmo disfarçado, carrega em si suas contradições incuráveis. Porque a história se move, apesar das tentativas de congelá-la. Porque há sempre alguém disposto a carregar a tocha que um dia passou por Chicago.

No Brasil, essa tocha também arde. Foi acesa nas greves do século XX, nas manifestações das últimas décadas, e continua iluminando o caminho de quem não desistiu de um país mais justo, mais digno, mais nosso.

A luta por tempo — esse bem tão escasso — continua. Porque, no fundo, o que os trabalhadores sempre pediram foi isso: tempo para trabalhar com dignidade, tempo para descansar com paz, tempo para o lazer, tempo para viver com sentido. E talvez, só talvez, tempo para sonhar com um mundo onde o 1º de Maio não seja mais dia de luta, mas de celebração da vitória.

Cláudio Ribeiro

Jornalista – Compositor – Escritor

 

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