O que fizeram de ti, pátria minha

 

Naquela madrugada — em que o silêncio deveria ser sagrado — ecoaram, na minha mente, os tropeços e os ruídos de um trio que parece brincar com a seriedade da vida: Dudu, o filho perdido em sua própria caricatura; Bolsonaro, o pai que faz da grosseria um ofício; e Malafaia, o pastor que despeja palavras como trovões de um céu artificial.

Não era possível dormir.
As frases deles, cambaleantes e arrogantes, batiam contra a vidraça da madrugada como moscas teimosas.
E eu, compositor, escritor, herdeiro das noites inquietas, levantei-me.

Fui ao escritório — território onde a sombra e a tinta se encontram.
Peguei o papel, a caneta, e rabisquei.
Não um panfleto, nem um discurso.
Mas uma poesia-reflexão, arma antiga contra a tolice moderna.

Pensei:
o Brasil não merece ser tratado como piada de mau gosto.
O povo não é plateia de circo grotesco.
A fé não pode ser mercadoria, nem o poder brinquedo de família.

E assim nasceu o poema:

 

 

 

O que fizeram de ti, pátria minha

 

O que fizeram de ti, pátria minha,
que tanto sonhou ser gigante,
mas tropeça no próprio charco
e se ajoelha diante do grotesco?

Como pode suportar tanta imbecilidade,
erguida em palanque de ódio,
celebrada em vozes ocas,
arrancada das sombras como vermes sob a luz?

Abriram a tampa do bueiro,
e de lá jorrou a perversidade,
faces sorridentes na mentira,
punhos erguidos contra a própria razão.

Ó pátria, tão “acima de tudo”,

tão “Deus acima de todos”,

mas no fundo atolada na lama

de fake news, de fanatismo,

de um Messias que nada salva.

Triste pátria minha,
cansada de golpes e farsas,
agora refém da ignorância vestida de virtude,
da brutalidade fantasiada de fé.

Seria possível que sempre estiveram aqui,
esses infames bolsonaristas,
latentes nas esquinas da história,
silenciosos à espera de um grito?

E nós, cegos em nossa esperança,
não percebemos o mofo crescendo nas paredes,
a ferrugem corroendo os alicerces,
a serpente aquecida em nosso próprio colo.

Abriram a tampa do bueiro

e saiu ratos grotescos:

general de WhatsApp,

profeta do zap-zap,

patriota de pijama

rezando pela arma do lado.

Ó pátria minha,
há de nascer de novo tua coragem,
há de romper o encanto da mentira,
pois não há escuridão eterna
quando a memória insiste em se iluminar.

Mas sossega, pátria:

a farsa fede, mas não dura.

Toda ignorância um dia cansa,

todo fascista um dia cai de podre,

e quando a tampa do bueiro fechar de novo

só restará o silêncio…

e a vergonha: sem anistia.

Cláudio Ribeiro

Jornalista – Compositor

 

  • Não esquecer – “Sempre que a política atravessa os corredores da igreja, a verdadeira religião encontra a saída.”

 

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