O Natal da Disney em Curitiba e as distorções da Lei Rouanet

 

 

É curioso: daqui a pouco iremos ver Curitiba toda iluminada para o Natal da Disney, com Mickey, Minnie e cia. sorrindo nas nossas praças, justo no momento em que somos bombardeados pela notícia da taxação americana. A cidade se fantasia de “Disneylandia do Sul”, mas na prática ficamos com cara de Pateta: pagando caro para consumir um espetáculo importado, enquanto sentimos no bolso o peso das decisões externas.

No fundo, é um retrato perfeito do Brasil: celebramos símbolos estrangeiros como se fossem nossos, aceitamos a conta sem questionar e ainda posamos para foto com sorriso no rosto. A mágica da Disney até encanta, mas o feitiço real é perceber que, enquanto eles faturam, nós seguimos pagando – seja no ingresso, seja no imposto, seja na ilusão.

 

A escolha de Curitiba como palco para o espetáculo oficial de Natal da Disney, “Disney Celebra: Um Natal Inesquecível”, escancara de forma quase caricatural os paradoxos do sistema de financiamento cultural no Brasil. Por trás da aura mágica e da promessa de “um Natal inesquecível”, está a velha engrenagem da Lei Rouanet funcionando a favor de quem já detém prestígio, visibilidade e capacidade de captação — enquanto a diversidade cultural brasileira segue relegada a segundo plano.

O problema não é a existência da Lei de Incentivo à Cultura, mas a forma como ela perpetua desigualdades. Em vez de fomentar expressões culturais locais, fortalecer artistas independentes ou garantir o acesso democrático a manifestações populares, o mecanismo acaba servindo como vitrine para megaeventos corporativos, escolhidos a dedo por patrocinadores em busca de retorno de marketing. Assim, a lógica do consumo globalizado engole a produção cultural nacional, reduzindo o espaço para narrativas que realmente expressem a identidade do país.

Enquanto isso, coletivos de teatro de rua, grupos indígenas, mestres de culturas tradicionais ou artistas da periferia seguem enfrentando barreiras quase intransponíveis: burocracia sufocante, ausência de estrutura para disputar patrocínios e, sobretudo, a falta de interesse empresarial em apoiar projetos que não rendem repercussão midiática imediata.

Há, portanto, uma distorção simbólica gritante: o Estado abre mão de tributos para financiar o imaginário de uma multinacional bilionária, enquanto manifestações locais — que deveriam ser a verdadeira essência de um Natal brasileiro — são relegadas à invisibilidade. A cidade que se vende como “capital do Natal” poderia investir na celebração de suas tradições, artistas e comunidades, mas escolhe importar o espetáculo pronto da Disney, como se a magia só pudesse vir de fora.

Esse caso expõe a urgência de repensar a Lei Rouanet: democratizar o acesso, descentralizar os recursos, simplificar processos e corrigir privilégios. Do contrário, continuaremos financiando grandes corporações sob o pretexto de “cultura”, ao mesmo tempo em que negamos condições mínimas para que a pluralidade cultural brasileira floresça.

Afinal, que Natal é esse que só brilha para quem pode pagar ingresso ou se contentar em ver de longe os fogos de uma festa que não lhe pertence?

 

Cláudio Ribeiro

Jornalista – Compositor

 

Compartilhar:

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*