O Canto Enlatado: Como o Capitalismo Engessou a Música Brasileira

 


Quando o lucro dita o ritmo, a diversidade e a alma da nossa música ficam de lado. Crônica de Cláudio Ribeiro

 

A música brasileira é um mosaico vibrante – vai da bossa nova ao rap, da MPB ao sertanejo, do samba ao axé. Mas, nos últimos anos, críticos e parte do público têm questionado sua qualidade, apontando um empobrecimento dessa manifestação cultural tão singular.

Eu, apaixonado por música e compositor, observo que, quando o lucro decide o ritmo, a tradição e a criatividade se perdem.

A música brasileira já teve sabor, textura e história. Cantava nossas dores, nossas festas, nossos encontros e desencontros. Cada acorde carregava a memória de um país vasto, contraditório e inventivo. Hoje, porém, esse canto parece enlatado: sai da fábrica da indústria cultural em série, pronto para consumo imediato, sem cheiro, sem cor, sem memória.

O dinheiro entrou na roda e mudou as regras. O lucro passou a ditar a canção, a coreografia, o timbre da voz. Não importa se o artista tem alma ou se a letra fala de sentimento: o que importa é a métrica de cliques, o desempenho em listas, a velocidade com que a música se torna esquecível. O mercado transformou a criação em cálculo e a arte em mercadoria. Cada verso se mede em retorno financeiro, cada refrão em curtidas, cada artista em faturamento.

E assim, a diferença é punida. Quem ousa inventar, misturar ritmos, contar histórias genuínas, arriscar autenticidade, rapidamente percebe que não há espaço. O caminho mais curto é seguir a fórmula pronta: repetir gestos, cantar igual a outros, dançar passos copiados. A música deixa de ser expressão e vira anúncio; deixa de ser memória e se torna barulho.

A indústria cultural do capitalismo perverso não apenas empobrece a estética, mas subverte os valores que moldaram a tradição musical brasileira. Coragem, inventividade e riqueza regional cedem lugar à padronização, ao imediato e ao descartável. O canto que poderia unir gerações se transforma em produto efêmero, que refresca por instantes e desaparece sem deixar marca.

O que nos resta é resistir. Redescobrir os velhos caminhos, ouvir com atenção o que ainda pulsa nas esquinas, nos quintais, nas rodas de amigos. Lembrar que a música brasileira não nasceu para ser uniforme nem para servir ao lucro. Nasce para emocionar, provocar, unir e, sobretudo, resistir. É nisso que devemos apostar, antes que o silêncio do enlatado se torne definitivo.

Cláudio Ribeiro
Jornalista – Compositor
Membro e Fundador do Fórum Nacional da Música

 

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