Documentário estreia na 49ª Mostra de São Paulo e propõe testemunho poético e político sobre o sofrimento e a resistência do povo palestino
Em um momento em que o mundo se divide entre o olhar e o desvio diante da tragédia palestina, o documentário Notas Sobre um Desterro, dirigido pelo paranaense Gustavo Castro, surge como um manifesto contra o esquecimento. O filme, que estreia na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, exibido nos dias 20 e 29 de outubro, denuncia o que o diretor chama de “processo quase irreversível de limpeza étnica” contra o povo palestino.
A produção — que segue depois para circuitos nacionais e internacionais — combina rigor histórico e sensibilidade estética, construindo uma narrativa que se recusa à neutralidade diante do sofrimento humano.
Da Cisjordânia ocupada a Gaza em chamas
A origem do projeto remonta a 2018, quando Castro e o fotógrafo Rafael de Oliveira percorreram a Cisjordânia ocupada, hospedados pela família de Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal). Durante um mês, filmaram o cotidiano sob vigilância militar, entre estradas vigiadas por tanques e muros que fragmentam cidades e vidas.
O ponto de partida era uma tentativa de compreender a resistência civil palestina, distante da retórica das manchetes. No entanto, a escalada de violência em outubro de 2023, após o ataque do Hamas e os bombardeios israelenses em Gaza, alterou profundamente o sentido da obra.
“Há um ano e meio ouvimos notícias sobre Gaza de forma superficial, como se tudo tivesse começado em 7 de outubro de 2023”, afirma Castro. “Notas Sobre um Desterro parte da premissa de que, diante de um processo quase irreversível de limpeza étnica, tomar partido é uma obrigação.”
Ensaios visuais e vozes sob escombros

Longe de uma linguagem jornalística ou didática, o filme se constrói como um ensaio visual em primeira pessoa. Mistura registros originais de 2018, arquivos históricos e vídeos recentes gravados pelas próprias vítimas dos bombardeios.
A proposta é simples e radical: ouvir quem vive sob ocupação. Sem narrações explicativas, a montagem conduz o espectador a uma experiência sensorial e ética, em que o testemunho se torna resistência.
“Não é apenas sobre a Palestina”, diz a roteirista e produtora Juliana Sanson. “É sobre o modo como o mundo tem se omitido diante da tragédia palestina.”
Cinema como gesto político
A equipe, formada também pelo montador e co-roteirista Ticiano Monteiro, consolidou o projeto com uma pesquisa que revisita sete décadas de ocupação e apartheid. Para Castro, o filme é um ato político por meio da arte.
“Este é um dos raros filmes brasileiros a tratar o tema com profundidade”, afirma. “Onde a diplomacia fracassa e a imprensa hesita, o cinema pode avançar. Nossa resposta é artística, mas também política.”
Um mapa de exibições pelo Brasil e pelo mundo
Após a Mostra de São Paulo, Notas Sobre um Desterro segue para uma série de exibições:
- 23/10 – Mal. Cândido Rondon (PR), Unioeste
- 25/10 – Cidade do México (México), DocsMX
- 28/10 – São Paulo (SP), Assembleia Legislativa
- 29/10 – São Paulo (SP), Cinemateca
- 29/10 – Santa Maria (RS), Santa Maria Vídeo e Cinema
- 17/11 – Salvador (BA), Teatro 2 de Julho
- 22/11 – Rio de Janeiro (RJ), Cine Carioca José Wilker
O olhar de Gustavo Castro

Gustavo Castro é diretor, diretor de fotografia e editor, com mais de 30 documentários realizados na América do Sul, Amazônia e Oriente Médio. Notas Sobre um Desterro é seu primeiro longa como diretor, resultado de anos de observação e escuta em zonas de conflito.
“O cinema é uma forma de memória coletiva. Quando o mundo tenta silenciar um povo, o cinema pode ser sua voz”, resume Castro.
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