O assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, a 101 anos

 

Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht representavam o espírito da revolução e do internacionalismo proletário. A figura deles condensava a luta contra o reformismo e contra a traição social patriota da Segunda Internacional que havia apoiado sua própria burguesia na Primeira Guerra Mundial.

A Segunda Internacional tinha se convertido num “cadáver fétido”, nas palavras de Rosa Luxemburgo, ao apoiar os créditos de guerra no Reichstag (parlamento alemão), em 4 de agosto de 1914. Mas, nesse mesmo dia, “reuniam-se na casa de Rosa Luxemburgo um pequeno número de camaradas” que “decidiram empreender uma luta contra a guerra e contra a política belicista de seu próprio partido. Este foi o começo da rebelião que uniu fileiras sob o nome de Espartacus.” Clara Zetkin deu seu apoio, desde Stuttgard, e Karl Liebknecht não tardou em unir-se a eles.[1]

Quando a onda da Revolução Russa impactou a Alemanha, em 1918, com o surgimento de conselhos operários, a queda do Káiser e a proclamação da República, Rosa aguardava impaciente a possibilidade de participar diretamente desse grande momento da história.

O governo ficou nas mãos dos dirigente da socialdemocracia mais conservadora, Noske e Ebert, dirigentes do SPD – este partido tinha se dividido com a ruptura dos socialdemocratas independentes, o USPD. Em novembro desse ano, o governo socialdemocrata chegou a um pacto com o Estado maior militar para liquidar o levante dos operários e das organizações revolucionárias. Rosa e seus camaradas, fundadores da Liga Espartacus, núcleo inicial do Partido Comunista Alemão, são duramente perseguidos desde dezembro de 1918.

“Em 15 de janeiro, um destacamento de soldados prenderam Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo por volta das nove horas da noite. (…) De nada serviu a tentativa de dar nomes falsos, pois os soldados sabiam perfeitamente quem eram.” (P. Nettl)
Eles foram levados ao Hotel Edén, quartel general de uma das divisões paramilitares dos Freikorps – veteranos do exército do Káiser – no centro de Berlin.

Segundo documenta Nettl, um capitão desde destacamento, Pabst, declarou muito depois que os Freikorps “tinham pleno apoio de Noske”, membro do governo socialdemocrata e comissário da cidade encarregado dos assuntos militares. O governo socialdemocrata tinha feito um acordo com os Freikorps para reprimir a insurreição liderada pelos espartaquistas.

Quando Liebknecht e Rosa saíram pela porta, um soldado golpeou-lhes a cabeça com um rifle, seus corpos foram arrastados e mortos a tiros. O cadáver de Rosa foi lançado de uma ponte nas águas escuras do rio, onde foi encontrado apenas três meses depois.

Com o assassinato desses dirigentes – pouco depois será assassinado também Leo Jogiches – líderes do nascente Partido Comunista Alemão, a repressão do Estado sob o governo socialdemocrata buscava liquidar a revolução dos conselhos na Alemanha e isolar a Revolução Russa. O crime da socialdemocracia consolida todo o curso reformista e social patriota dos últimos anos, a convertendo no agente direto da reação do Estado burguês.

“Perdemos nossos melhores companheiros e seus assassinos continuam sendo parte do Partido Socialdemocrata que ousa reivindicar sua origem em Karl Marx! Estes são os fatos, camaradas! O mesmo partido que traiu os interesses da classe trabalhadora desde o início da guerra, que apoiou o militarismo alemão (…) esse mesmo partido e seus líderes (Scheidemann e Ebert) se autodenominam marxistas ao mesmo tempo que organizam as bandas reacionárias que assassinaram Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo!” Leon Trotski escreve estas palavras três dias após o assassinato dos revolucionários. [2]

Karl Liebknecht ganhou reconhecimento mundial por ter sido o único homem que, em 1914, teve coragem de levantar sua voz na tribuna do Reichstag alemão contra a burguesia e sua guerra, ao mesmo tempo que se enfrentava contra o patriotismo dos deputados de seu próprio partido.

“Quando o militarismo alemão celebrou suas primeiras vitórias, suas primeiras orgías sangrentas (…) em meio a esses dias trágicos e sombrios, uma única voz se ergueu na Alemanha para protestar e amaldiçoar: a de Karl Liebknecht. E sua voz ressoou em todo mundo”, escreve Trotski.

Rosa Luxemburgo não podia falar nessa tribuna, porque como mulher não tinha direitos eleitorais. Mas em sua incansável agitação contra a guerra, ela visitou comícios operários por todo o país, chamando as massas trabalhadoras a mobilizar-se. No centro da repressão do Estado alemão, entre 1915 e o momento de sua morte, Rosa passou mais tempo na prisão do que em liberdade.

No mesmo dia de seu assassinato, Karl Liebknecht escreve sobre a derrota da revolução Alemã e o papel traidor da socialdemocracia: “O mundo jamais conheceu um Judas semelhante, pois não só traiu o que havia de mais sagrado, mas pregou na cruz com suas próprias mãos. Da mesma forma que a socialdemocracia alemã oficial desmoronou mais que qualquer outra em agosto de 1914, no alvorecer da revolução social oferece a mesma imagem repulsiva. Em junho de 1848 e em maio de 1871, a burguesia francesa teve que buscar os carrascos em suas próprias fileiras. A burguesia alemã não precisou fazê-lo porque os “socialdemocratas” lhes prestaram esse desprezível e sangrento trabalho sujo,”

Estas palavras parecem premonitórias das novas tragédias que estavam por vir para a classe operária mundial nos anos seguintes. Já que o papel que cumpriu a socialdemocracia, em 1919, na Alemanha se repetirá tragicamente e em escala muito superior o estalinismo, “pregando na cruz com suas próprias mãos” frente a traição da Revolução Mundial.

Rosa Luxemburgo, águia da revolução

Mehring disse que Rosa Luxemburgo era “a mais genial discípula de Karl Marx”, uma mente brilhante que desde jovem devorou as obras do marxismo e elaborou teoricamente sobre as grandes questões do socialismo e da estratégia revolucionária.

Recém chegada na Alemanha de 1898, a jovem socialista polaca entrou na batalha contra um representante da velha guarda do SPD, Eduard Bernstein. Depois de alguns anos sem grandes acontecimentos sociais, grande parte da direção socialista tinha se adaptado à “rotina da tática” parlamentar e sindical, transformando a tática em estratégia. Para estes socialistas, o capitalismo teria conseguido superar suas crises e a socialdemocracia podia dedicar-se a conquistar posições no marco de uma “democracia” que parecia estar se expandindo. Impregnado deste hálito possibilista, Eduard Bernstein revisa a teoria marxista e sustenta que o socialismo já não necessita revoluções nem luta de classes, que pode se desenvolver no seio do capitalismo gradualmente. O “debate Bernstein” teve muitos participantes, no entanto, a crítica mais aguda e profunda foi feita por Rosa Luxemburgo. Em seu texto “Reforma ou Revolução” desenvolve argumentos que cem anos depois mantêm uma atualidade impressionante.

Suas contribuições são inumeráveis: as lições da Revolução Russa de 1905, as elaborações no âmbito da economia marxista, a polêmica sobre a greve geral e a estratégia com Kautsky desde 1910, sua agitação contra a guerra imperialista, a defesa da Revolução Russa de 1917 e, finalmente, sua participação na insurreição dos conselhos operários na Alemanha e na fundação do Partido Comunista. Por tudo isso, apesar das diferenças que manteve em muitas questões com os dirigentes bolcheviques, Lenin e Trotski, ambos a homenagearam e reivindicaram seu nome como “bandeira da revolução”.

Lenin escreveu, em 1924, contra os que pretendiam opor a figura de Rosa aos bolcheviques, como Paul Levy – que foi expulso do Partido Comunista e terminou regressando às fileiras da socialdemocracia. Lenin diz que “pode acontecer das águias voarem mais baixo que as galinhas, mas jamais uma galinha pode voar como uma águia”. [3]

“Rosa Luxemburgo se equivocou sobre a independência da Polônia; se equivocou, em 1903, em sua análise do menchevismo; se equivocou na teoria da acumulação de capital; se equivocou, em junho de 1914, quando defendeu junto à Plekhanov, Vandervelde, Kautsky e outros a unidade entre bolcheviques e mencheviques; se equivocou no que escreveu na prisão, em 1918 (corrigiu a maioria destes erros no final de 1918 e começo de 1919 quando conquistou a liberdade). Mas, apesar de seus erros, foi – e para nós continua sendo – uma águia”, disse Lenin.

Anos depois, em 1931, Stalin lança seus dardos envenenados contra Rosa Luxemburgo, acusando-lhe de ser “oportunista” e não ter combatido o curso reformista de Kautsky. Segundo Stalin, em 1905, ela e Parvus: “Inventaram um esquema utópico e semimenchevique de revolução permanente”. [4]

Trotski responde Stalin no artigo “Tirem as mãos de Rosa Luxemburgo!” [5], onde assegura que entre 1903 e 1914 Rosa Luxemburgo deu uma batalha contra o oportunismo de Kautsky, de forma cada vez mais taxativa, enquanto Lenin estava absorvido pelos problemas russos e seguia pensando que o bolchevismo era a “tradução russa” da tendência kautskiana. Em 1914, surpreendido pela derrocada do SPD, é Lenin quem retira as conclusões mais radicais dessa traição e escreve: “Rosa Luxemburgo tinha razão, há muito ela compreendeu que Kautsky possuía um alto grau de ’servilismo teórico’…”.

Em 1935, Trotski retoma a polêmica sobre Rosa Luxemburgo [6], neste caso enfrentando as interpretações “espontaneístas” de sua obra e os que pretendiam criar um “luxemburguismo” como corrente oposta ao bochevismo. Marcando os pontos débeis de algumas elaborações de Rosa e sem deixar de marcar as diferenças existentes, Trotski é categórico em suas conclusões: “Os tardios confusionistas do espontaneísmo têm tanto direito de falar sobre Rosa como os miseráveis burocratas da Comintern sobre Lenin. Deixemos de lado as questões secundárias, superadas pelos acontecimentos, e com plena legitimidade podemos colocar nosso trabalho pela construção da Quarta Internacional sob o signo dos “três L”, não só sob o signo de Lenin, mas também de Luxemburgo e Liebknecht.

[1] Rosa Luxemburg, Paul Frölich, Edições IPS, 2013, Buenos Aires

[2] “Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo”, 18 de janeiro de 1919, Leon Troski, publicado pela fundação Friedrich Engels.

[3] “Notas de um jornalista”, 1922, Lenin.

[4] “Sobre algumas questões da história do bolchevismo”, 1931, Stalin, Marxists Internet Archive.

[5] “Tirem as mãos de Rosa Luxemburgo!”, 1932, Leon Trotski.

[6] “Luxemburgo e a Quarta Internacional”, 1935, Leon Trotski.

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