Quando descobri que minha pauta era a cultura

 Entre rádios de válvula e cadernos de notas, um jovem repórter de 1968 descobre que o jornalismo cultural é mais do que escrever sobre arte — é compreender o mundo através dela.

Quando comecei a trabalhar em rádio e jornal, lá pelos idos de 1968, em Londrina, o país fervia. Eram tempos de vozes abafadas, mas também de sonhos que insistiam em cantar. No meio daquele turbilhão, percebi logo que não seria um repórter esportivo nem policial — não era o barulho do estádio nem o alarde das sirenes que me moviam. O que me encantava eram as notas de um violão, as tintas de um quadro, as falas intensas de um palco. Era ali que o mundo me parecia mais verdadeiro.

Descobri, quase sem perceber, que minha vocação era o jornalismo cultural. Quando havia algum evento na cidade — uma peça, uma exposição, um sarau — lá ia o Cláudio Ribeiro, a mando do chefe, caderno na mão e olhos abertos, em busca de algo que não cabia só na notícia: o sentido.

Ser jornalista de cultura, entendi com o tempo, é muito mais do que escrever sobre arte, cinema, música ou literatura. É disputar narrativas. É compreender que cada obra, cada gesto criativo, cada manifestação simbólica é também uma maneira de dizer o mundo — e, às vezes, de reinventá-lo.

Num país em que as políticas culturais são ameaçadas a cada mudança de vento, onde artistas enfrentam censuras veladas e a precarização é regra, o jornalismo cultural se torna resistência. Ele documenta, denuncia, interpreta, conecta. Dá nome às forças que tentam silenciar e ilumina as que nascem das margens.

Cobrir cultura é, inevitavelmente, fazer política. É enxergar que o que se consome — e o que se cala — revela estruturas de poder. É entender que a cultura é território de disputa simbólica, onde se espelham os desejos, as dores e os sonhos de uma sociedade.

O jornalista de cultura precisa ser ponte e farol. Ponte, para atravessar linguagens, conectar públicos, traduzir códigos. Farol, para apontar caminhos, provocar reflexão e manter acesa a chama do pensamento crítico. É ele quem revela o que o entretenimento esconde, quem expõe as contradições de um mercado que transforma arte em mercadoria, e quem insiste em lembrar que arte não é luxo — é direito.

Num tempo em que a desinformação corre mais rápido que a verdade e os algoritmos nivelam tudo por baixo, o jornalismo cultural é um dos últimos lugares onde ainda se pensa com profundidade, sensibilidade e coragem.

Fazer jornalismo cultural, hoje, é um ato político.
É escolher estar ao lado da arte, da liberdade e da diversidade — e contra a indiferença.

Porque, no fim das contas, não há sociedade viva sem cultura.
E não há cultura viva sem quem a escute, a decifre e a conte com paixão.


Cláudio Ribeiro é jornalista, compositor, escritor e poeta. Formado em Direito, com pós-graduação em História do Brasil e Ciências Políticas, dedica-se há décadas à cobertura e reflexão sobre as artes e a cultura brasileira. Criou e mantém, desde 2004, o Portal Brasil Cultura — o Portal da Cultura Brasileira.

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