“Do Violão à Algema”

Um país onde quer trocar o violão pela algema, o teatro pela cela, o poema pelo cassetete. Um país onde a cultura, já combalida, faminta e cambaleante, foi empurrada de vez para o porão — esse mesmo porão onde a luz não entra e a imaginação apodrece.

O deputado Kim Kataguiri, em seu mais novo projeto de lei, sugere um truque digno de um espetáculo grotesco: tirar os recursos da Lei Rouanet — aquela que, com todas as suas limitações, ainda insistia em manter vivas as danças, as vozes, os pinceis, os tambores — para investir em presídios de segurança máxima.

Segurança máxima. Contra quem?

É preciso coragem — ou desprezo — para propor que se fechem cortinas de teatro para abrir celas. Que se silenciem os saxofones para dar lugar ao tilintar de correntes. Que se substituam oficinas culturais por blocos de concreto com grades e vigilância 24 horas.

Ora, dirão os pragmáticos de plantão, “o país precisa de segurança”. Mas desde quando se combate a violência com mais muros e menos livros ou música? Desde quando a cultura virou luxo, e o encarceramento, prioridade?

A arte educa, expande, transforma. Ela chega antes da bala, do tráfico, da delinquência. A arte é a fresta por onde entra o sonho. Cortar seu financiamento não é só uma escolha administrativa — é um posicionamento civilizacional. É dizer, com todas as letras, que preferimos punir do que prevenir, acorrentar do que libertar, punir o desvio em vez de cuidar da origem.

O Brasil, que já tem a terceira maior população carcerária do mundo, agora quer mais presídios, mais celas, mais silêncios. E para isso, sacrifica o que ainda lhe resta de beleza, diversidade, sensibilidade.

Não se trata apenas de um projeto de lei — trata-se de um sintoma. De um país que se apequena ao mirar os grilhões em vez das ideias. De um Estado que não entende que cultura também é segurança pública.

Ninguém sai de um espetáculo teatral com vontade de matar. Mas saem muitos de um sistema prisional ainda mais brutalizados do que entraram. Essa é a equação perversa que o deputado parece não ter entendido — ou escolheu ignorar.

Enquanto isso, do lado de fora dos muros, os artistas seguem resistindo, como podem. E, em vez de grades, continuam erguendo palavras. Até que alguém finalmente perceba que é mais barato, mais humano — e infinitamente mais digno — construir bibliotecas do que presídios.

Fim do espetáculo. Ou melhor, da farsa.

Cláudio Ribeiro

Jornalista – Compositor

Formação em Direito

Pós-Graduado em Ciências Politica

História do Brasil

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