Debate Foca a Cultura Popular

João Ubaldo Ribeiro

João Ubaldo Ribeiro confessava sua dificuldade em separar cultura popular da erudita, enquanto Nelson de Oliveira dizia que o seu conflito era exemplificado entre gostar dos Beatles e Stravinski. Ao lado de outros sete escritores, eles participaram de um debate que pretendia apontar as manifestações populares na ficção narrativa durante a 11ª Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo. Um difícil missão, que resultou em opiniões tão distintas como complementares.

Ubaldo, por exemplo, apoiou-se no trabalho de outros colegas para reforçar sua dificuldade. “Apesar de ser essencialmente um músico popular, Chico Buarque de Holanda se aproxima do erudito, assim como Wagner Tiso que talvez até seja mais próximo”, disse ele, preferindo apontar a existência de uma identidade brasileira, mesmo que o menosprezo pela educação atrapalhe tal progresso. “Aqui, em Passo Fundo, isso é facilmente notado: apesar da forte presença da cultura gaúcha, em nenhum momento se percebeu um encobrimento da identidade nacional.”

O debate esquentou quando o escritor e teórico Silviano Santiago comentou que popular na cultura brasileira é algo subalterno, especialmente na literatura. Para ele, subalterno é a figura dominada, desprovida de identidade. “Desde o período de colonização, vivemos com uma língua que não é a nossa, praticamos uma religião que nos foi imposta e temos hábitos apresentados pelos colonizadores”, explicou.

Santiago, que considera o povo brasileiro como um desterrado em sua própria terra, mostrou exemplos do conflito entre essa imposição cultural e os hábitos dos índios, habitantes naturais do território. No romance Iracema, de José de Alencar, há um clara evidência da diferença entre diálogos, pois o escritor mistura termos portugueses com os de origem tupi. “O resultado é uma língua híbrida que nos representa como identidade.”

Dessa forma, a cultura popular é, no entender de Santiago, o desejo do subalterno de se exprimir. “E o escritor acaba emprestando a voz para o subalterno.”

A identificação de uma cultura nacional despertou o cuidado dos debatedores. Cecília Costa, por exemplo, demonstrou seu receio pelo conceito de nacionalismo, que traz a lembrança de atos violentos provocados por governos totalitários. A idéia foi encampada por Alcione Araújo: para ele, o estado autoritário apropria o que é considerado nacional e o transforma em sua representação do nacional, impondo-a à sociedade.

A situação extrapola fronteiras. A pesquisadora portuguesa Clara Ferreira Alves contou que, em Portugal, há uma relação de amor e ódio com o nacionalismo e, por extensão, ao próprio país. “Se há um apoio às cores da nação quando joga a seleção portuguesa, por outro lado houve um momento de extremo pessimismo quando o país teve de se adaptar para integrar a União Européia”, disse. “Essa contradição é refletida na prosa e poesia contemporâneas e nunca foi solucionada.”

 

 

 

 

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