Dia do Trabalhador

No Dia do Trabalho não se trabalha. Esta homenagem às avessas vigora em boa parte do mundo capitalista. O 1º de maio hoje é vivido por muitos apenas como mais um feriado no calendário, mas sua criação foi fruto de uma história de lutos e lutas da classe operária.

As referências simbólicas desse período do ano vêm de longe. Os romanos festejavam entre 30 de abril e 3 de maio as “floralias”, festa dos cereais e das flores. A Idade Média manteve viva a tradição, em comemorações pela “expansão da primavera” ou o “signo da alegria”. Ainda no século XVI, surgiu a primeira associação da estação com o mundo do trabalho, quando legislações corporativas instituíram a jornada de trabalho de oito horas. Foi o caso da legislação de Felipe II, da Espanha, que estabeleceu este direito para os mineiros em 1573 e para os demais trabalhadores em 1593.

No século XIX, esta simbologia foi retomada pelo proletariado moderno, que começava a se organizar. Antes mesmo da consagração da data, reivindicações trabalhistas se inspiravam naquele período do ano. O movimento de padeiros irlandeses contra o trabalho noturno e o dominical no século XIX resultou nos “comícios de maio”, como os descreveu Karl Marx (1818-1883).

Mas foi nos Estados Unidos que se consolidou o moderno significado do 1º de maio, numa série de manifestações que culminaram em tragédia. Em 1832, a jornada de oito horas foi a principal reivindicação das greves que estouraram em Boston, na Filadélfia e em Nova York. Três décadas depois, os operários ainda lutavam pela mesma causa, tanto é que em 1869 criaram a “Liga pelas Oito Horas”. Apesar da crescente organização da classe, as condições de vida dos trabalhadores ficaram ainda piores com a depressão econômica que assolou os Estados Unidos entre 1884 e 1885. A situação se tornou tão calamitosa que em 1886 foi convocada uma greve geral para 1° de maio, usualmente o dia nacional da renovação dos contratos de trabalho. No dia 3, cerca de seis mil operários que permaneciam em greve se reuniram em frente à fábrica McCormick Harvest Works, em Chicago. A manifestação, a princípio, era pacífica, mas a polícia resolveu intervir com violência. Graves incidentes deixaram um saldo de seis mortos e 50 feridos. No dia seguinte, operários anarquistas convocaram, com autorização oficial, um ato de protesto contra a ação da polícia. No meio do comício, uma bomba foi arremessada na direção de policiais que tentavam dispersar a multidão.

O episódio desencadeou uma perseguição a líderes do movimento operário. Depois de um processo suspeito, com caráter marcadamente político, sete deles foram condenados à morte por enforcamento e outro, a quinze anos de prisão.

A luta pela comprovação da inocência dos acusados transformou os “oito mártires de Chicago” em símbolo mundial da injustiça do Estado capitalista contra uma classe trabalhadora oprimida. Ainda mais depois que cinco deles foram, de fato, executados. O incidente americano teve influência crucial nos rumos da 2ª Internacional dos Trabalhadores, organização criada em Paris, em 1889, reunindo representantes operários de vários países sob orientação marxista. Neste congresso, a entidade decretou o 1° de maio como Dia Internacional do Trabalho. A data nasce sob o signo da revolta e da luta.

Em torno dela, os operários passaram a promover um grande número de atividades políticas, sociais e culturais — comícios, greves, passeatas, poesias, peças de teatro, bailes, caricaturas etc. — canalizando a pressão pela melhoria de suas condições de vida. O ponto de partida era, ainda, a necessidade de uma jornada de trabalho de oito horas, que lhes permitiria oito horas de lazer e outras oito de descanso.

As manifestações chegaram ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil, justamente no período de transição do Império para a República. O novo regime criou a expectativa de que vários direitos de cidadania seriam adotados, e as manifestações que o movimento operário local promoveu entre 1890 e 1906 refletiram esta esperança. Os trabalhadores braçais foram os que mais se interessaram pela proposta, já que não tinham qualquer proteção social nas suas relações com o patronato.

Pouco numerosa e ainda fortemente vinculada ao passado escravista, a classe trabalhadora carioca adotava uma atitude respeitosa na forma de fazer suas demandas. Nas primeiras comemorações do 1º de maio no Brasil, os manifestantes começavam o dia com uma salva de tiros ou de fogos de artifício. Em seguida, uma comissão de operários ia ao cemitério para visitar túmulos de líderes e de antigos companheiros mortos. O sacrifício dos “oito de Chicago” era lembrado em clima de luto.

Outra parte expressiva das manifestações ficava por conta dos “préstitos”, desfiles em que cada categoria profissional carregava seu estandarte pelas ruas do centro da cidade, acompanhadas por bandas que tocavam músicas oficiais. Para a ocasião, os operários vestiam roupas de qualidade, muito diferentes dos trapos usados no ambiente de trabalho. Queriam ser reconhecidos não só pela sua profissão, mas como cidadãos comuns e civilizados, iguais aos demais. Mais do que buscar melhores condições de vida, tratava-se da reivindicação de um novo status social numa sociedade elitista e excludente.

Neste mesmo sentido, eram feitas visitas às redações dos jornais para divulgar a boa conduta da classe, e depois, geralmente havia um comício. À noite, as manifestações continuavam nas sedes sociais das entidades de classe, intercalando comícios e sessões solenes com atividades de lazer.

Mas as reformas políticas e sociais esperadas do novo regime não vieram. Por conta disso, as manifestações do 1º de maio sofreram profundas mudanças. Com o 1º Congresso Operário Brasileiro, entre 15 e 20 de abril de 1906, uma nova orientação torna-se predominante nas formas de se celebrar a data. A tendência do período anterior é invertida: o luto se transforma em luta.

Um jornal editado por trabalhadores do setor gráfico, publicado em 1916, traduz essa mudança de tom no discurso operário brasileiro, ao tentar convencer seus leitores do novo significado do 1° de maio: “Companheiros, hoje não é dia de festas, foguetórios, bailes, etc… mas sim um dia de protesto, de irmos pedir aos senhores conta do sangue de nossos irmãos derramado por nossa redenção a estes senhores desta sociedade sem igualdade e sem liberdade”. Esta era a ótica dos anarcossindicalistas, para quem a greve deveria ser a forma preferencial de manifestação dos trabalhadores. Esta corrente política foi responsável pela mudança, duradoura, do eixo no qual as manifestações de 1º de maio passaram a se inspirar: era um dia de LUTO, não de LUTA, como até então vinha sendo defendido por setores do operariado.

Embora hegemônica, a interpretação dos anarcossindicalistas para o 1º de maio não era a única. “O Congresso aconselha aos operários e respectivos sindicatos que, no caso em que essa data seja decretada dia feriado, iniciem uma forte propaganda no sentido de patentear a incompatibilidade da adesão do Estado a tal manifestação, que é revolucionária e de luta de classes, apontando o seu trágico epílogo a 11 de novembro de 1887”.

Ao longo dos anos 1910 e 1920, a disputa pelo significado da data ocorreu em ambiente de conflito aberto: as áreas não-operárias não buscavam mais conciliação com o discurso dos trabalhadores, e elaboravam outras interpretações. Nesta direção atuaram a imprensa, o Estado e até a Igreja.

Bendito o 1º de Maio, que nos trazes contigo a alegria das flores, o consolo da prece e o descanso festivo dos que trabalham.
(Correio da Manhã, 1/5/1911).

É que ela – a data de 1º de Maio – deixou de ser uma simples comemoração dos mártires de Chicago, sacrificados em holocausto aos interesses vitais das classes trabalhadoras, para se transformar numa homenagem da própria Civilização aos seus maiores obreiros, quer mourejem no interior das fábricas e oficinas, quer laborem na liberdade dos campos e dos mares. Pode-se dizer, portanto, que o socialismo a instituiu como a marca inicial de suas reivindicações, e a sociedade aceitou como a festa simbólica de sua gratidão.
(A Razão 1/5/1918)

A luta para se definir o significado do 1° de maio se tornaria ainda mais intensa a partir dos anos 1920, quando o comunismo substituiu o anarcossindicalismo na preferência dos operários. Com a ascensão do regime comunista na Rússia em 1917 – e mais tarde no restante da Europa Oriental, após a Segunda Guerra Mundial –, a data ganhou fortes contornos políticos. Enquanto a classe operária conclamava seus companheiros à luta, setores mais conservadores davam outro tratamento à efeméride. Em maio de 1929, o jornal Correio da Manhã publicava uma visão religiosa do feriado, em resposta à influência comunista: “Ontem, os trabalhadores que ainda não se deixaram seduzir pelas utopias comunistas foram à tarde à matriz de Sant’Anna (…). Que ensinamentos lhes terá comunicado o Filho do Carpinteiro?”

Somente na Era Vargas seria elaborado um discurso unificado sobre o 1° de maio no Brasil. O curioso é que esse discurso foi modelado pelo Estado, e não pela sociedade civil. Levantando a bandeira trabalhista, o governo instaurado em 1930 se apropriou da data e a utilizou para fins políticos – para não dizer propagandísticos. Paralelamente às políticas concretas — jornada de oito horas, férias, carteira de trabalho e criação do Ministério do Trabalho —, Vargas investiu em um novo caráter subjetivo para o 1º de maio, afastando-se do significado inicial dado pelos operários à data. O protagonista não é mais o operariado, e sim o Estado, o desenvolvimento econômico, a Nação e o seu dirigente máximo.

Foi uma década de repressão ao movimento operário livre e de instituição de sindicatos atrelados ao Estado. Para regular as atividades do movimento operário, e o mercado de trabalho de forma mais ampla, os sindicatos passaram a ser controlados por normas oficiais, criou-se a carteira de trabalho e foi instituída a Consolidação das Leis do Trabalho. A partir de 1939, o Dia do Trabalho consolidou-se como festividade oficial, conduzida pelo governo. As manifestações passaram a contar com pomposos discursos do presidente no recém-construído estádio do Vasco da Gama. Após a execução do Hino Nacional, postados em torno de um círculo que a todos igualava simbolicamente, Getulio Vargas assim se dirigia ao povo:

Todo trabalhador, qualquer que seja a sua profissão, é (…) um patriota que conjuga o seu esforço individual à ação coletiva em prol da independência econômica da nacionalidade. O nosso progresso não pode ser obra exclusiva do governo, e sim de toda a Nação, de todas as classes, de todos os homens e mulheres que se enobrecem pelo trabalho, valorizando a terra em que nasceram.
(…)
A sociedade brasileira felizmente repele, por índole, as soluções extremistas. Corrigidos os abusos e imprevidências do passado, poderemos encarar o futuro com serenidade, certos de que as utopias ideológicas, na prática verdadeiras calamidades sociais, não conseguirão afastar-nos das normas de equilíbrio e bom senso em que se processa a evolução da nacionalidade.
(Correio da Manhã, 3/5/1940).

Nem luto, nem luta. O 1º de maio nunca mais seria o mesmo no Brasil. E no mundo, também não. As décadas recentes nos afastaram do significado político que lhe deu origem. Isto se deve, por um lado, à derrocada da União Soviética e dos regimes comunistas do Leste europeu, e, por outro, às novas formas de produção: flexível e volátil, o capitalismo globalizado disseminou fábricas por vastas regiões do planeta, articuladas pela informática e pelos meios de comunicação. Este processo desconstruiu o proletariado industrial típico dos séculos XIX e XX, disseminando a produção industrial por vários continentes do planeta, alcançando a Ásia.

Compartilhar:

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*