Sobre a pesca e o homem – A pesca no Brasil

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A pesca sempre esteve presente na história humana desde o homem primitivo e é bem mais do que uma atividade produtiva ou uma atividade de lazer; apresenta uma temporalidade muito antiga que envolve toda uma organização socioeconômica e cultural. Trata- -se de um saber construído na apropriação da natureza: marés, correntes, estações, luas, peixes, crustáceos, moluscos, técnicas, instrumentos, artes, conhecimentos. Na pesca marítima, há uma associação histórica entre a pesca e navegação, havendo influência da pesca, no capitalismo mercantil dos séculos XV e XVI e na formação dos centros urbanos da época.

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No Brasil, a presença remota da pesca é comprovada pela presença dos SAMBAQUIS – sítios arqueológicos que abrigam vestígios da pesca e coleta de recursos de manguezal, principalmente conchas e peixes, que compunham a dieta do homem primitivo. Segundo arqueólogos e paleontólogos, as populações indígenas da costa meridional do Brasil exploravam as lagunas vizinhas da Serra do Mar há 6.000 ou 9.000 anos.
No processo de formação do povo brasileiro, indígenas, escravos e imigrantes exerceram influência nas técnicas e na cultura da pesca em todo o país. No período pré-colonial os índios utilizavam também da pesca para o próprio sustento, antes da chegada dos portugueses, com a ajuda de processos rudimentares e empregando canoas e jangadas. No período colonial predominava a pesca indígena de subsistência e teve o início da pesca da baleia, com concessão concedida a portugueses e bascos. A pesca da baleia tinha importância nos estados da Bahia, São Paulo (Ilha do Bom Abrigo) e Santa Catarina, mas a maioria das armações baleeiras foi desativada até meados do Século XIX. Esta pesca terminou nos anos 70, com a desativação da empresa japonesa na Paraíba.
Em inúmeros momentos históricos do país, como a independência, abolição da escravatura, nas revoltas Cabanagem e Sabinada, os pescadores tiveram participação ativa como grupo social.
Nas primeiras décadas do século XX ocorreu o aumento da escala comercial da pesca brasileira, com a pesca de camarão para exportação, a pesca da sardinha pelas traineiras, introduzidas nos estados do Rio de Janeiro (Ilha Grande) e depois em São Paulo. Apareceram, também no Rio de Janeiro e em São Paulo (Santos) as indústrias de salga e secagem e depois enlatamento. No Rio Grande do Sul surgiram as indústrias processadoras de merluza, havendo uma intensa transformação no sistema, onde os esforços públicos se concentraram em modernizar a pesca no país.
Dentre os eventos importantes ocorridos, podem ser destacados a criação das Colônias de Pescadores, que se deu dentro de uma ética militar (Forças Armadas do Brasil), já que os pescadores eram antes inscritos na Marinha do Brasil (MB), podendo ser convocados em caso de guerra. Apenas a partir da constituição de 1988 as colônias de pescadores ganharam status de organização sindical, passando a sofrer menos interferências.
A partir da década de 1960, o governo federal implementou uma política que visava investir em uma pesca de cunho empresarial, visando alcançar avanço tecnológico e aumentar a produção, através de incentivos fiscais e financiamentos, apoiando a compra de barcos e equipamentos e implantação de unidades de beneficiamento. Assim, foram criadas empresas no litoral centro-sul do país, voltadas principalmente para a exportação de camarão e no estado do Ceará, para a captura da lagosta. O incentivo triplicou a produção pesqueira em pouco mais de 20 anos e levou rapidamente o sistema à sobrepesca, a partir da década de 1980.
Como consequências imediatas da crise, ocorreu o fechamento da maioria das indústrias e parte das empresas transferiu-se para o litoral amazônico. Além disso, as embarcações industriais passaram a pescar nas áreas mais próximas, que eram área de pesca dos pequenos produtores pesqueiros, com a instalação e acirramento de conflitos na área costeira.
Esta crise, infelizmente, não foi superada até hoje porque o modelo produtivo ainda persiste. Por outro lado, no mundo todo vem se discutindo novas formas de gestão da atividade pesqueira sendo que a abordagem ecossistêmica e o co-manejo adaptativo têm ganhado força ao longo dos anos. Tais propostas trabalham com a visão da integração do homem e suas atividades no ambiente, valorizando o conhecimento, tanto o tradicional quanto o técnico-científico, e a participação dos usuários no processo, de forma a haver um compartilhamento de poderes e responsabilidades. Assim, avança-se para além de um regramento estático e genérico, com a promoção de um mosaico de ações de gestão, em busca da sustentabilidade ambiental, social e econômica da atividade.
Como desdobramento atual podemos destacar o aumento da criação de Unidades de Conservação no litoral, sejam restritivas (Estações Ecológicas, Parques) como de uso sustentável (APA, RESEX, RDS), as quais tem mostrado algumas perspectivas favoráveis à conservação das espécies e ambientes pesqueiros. Nos próximos artigos serão tratados como a Ciência se desenvolve para gerar o conhecimento necessário à gestão pesqueira adequada.
Conheça mais sobre o Instituto de Pesca criado em 8 de abril de 1969, desenvolve pesquisas sobre ecossistemas aquáticos; biologia e pesca de organismos marinhos e de águas continentais; aquicultura de organismos marinhos e continentais; dinâmica de frotas pesqueiras; e tecnologia e aproveitamento integral de pescados.

Autores:
Sergio Luiz Tutui – Pesquisador Científico / Instituto de Pesca – Doutor em Zoologia pela UNESP Especialista em Gestão Pesqueira pelo Instituto de Pesquisa Pesqueira da Província de Mie/Japão
Ingrid Cabral Machado – Pesquisadora Científca / Instituto de Pesca – Doutora em Ciências pela UFSCar, com trabalhos na área de Ecologia Humana e Etnoecologia Pesqueira

 

Fonte: Jornal Nippak, Nov/2016 (http://www.portalnikkei.com.br/)

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