O jubileu de um clássico 2

O que mais impressiona Nelson Pereira dos Santos nos garotos de rua que descem das favelas para vender balas nas esquinas do Rio é a quantidade. Quando quatro desses meninos viraram personagens de seu filme mais famoso, Rio 40 graus, exatos 50 anos atrás, o número desses vendedores-mirins na ruas da Zona Sul era infinitamente menor. Mas, apesar da diferença demográfica, o preconceito em relação aos moradores dessas comunidades era tão grande quanto nos dias atuais.

– Naquela época, a população favelada não chegava a 200 mil, hoje está na casa dos milhões. O Rio era mais tranqüilo, era uma cidade de funcionários públicos, por ser a capital da República. A vida na favela era semi-rural, havia espaço entre as casas, cultivavam-se hortas e criavam-se animais. Mesmo assim, existia em relação a essas comunidades um preconceito violento, que vem dos tempos escravocratas. Quem vinha da favela era visto como prostituta, ladrão – lembra o diretor de 76 anos, que prepara uma série de eventos para comemorar o jubileu de ouro de Rio 40 graus.

Um dos pilares do que depois ficou conhecido como Cinema Novo, estilo que buscava temas e personagens que expressassem uma identidade nacional e que inspira cineastas brasileiros até hoje, Rio 40 graus vai merecer uma festa digna de sua importância para o cinema pátrio. A programação, que começa em setembro – mês em que o filme entrou em cartaz pela primeira vez, em 1955, antes de ser retirado dos cinemas pelo então chefe de polícia Geraldo de Menezes Cortes do governo Café Filho –, inclui uma exposição de fotos e uma retrospectiva dos filmes de Nelson. Um dos pontos fortes da agenda comemorativa será a projeção de uma cópia nova de Rio 40 graus nas areias da Praia de Copacabana, uma das locações da produção, com acompanhamento de orquestra sinfônica. A sessão ao ar livre está agendada para o dia 17 de dezembro.

O aniversário também motivará o lançamento de outros produtos relacionados ao clássico. Ney Santana, filho de Nelson, está preparando um documentário sobre os 50 anos do filme, reunindo entrevistas com todos os que estiveram ligados de alguma forma à filmagem. Um livro sobre as curiosidades da produção e um catálogo comemorativos também serão lançados durante as comemorações. O layout do cartaz original, que traz Glauce Rocha, Roberto Bataglin e o menino Haroldo Alves, que interpreta um dos vendedores de amendoim que guiam a trama do filme, vai inspirar a estampa de cangas de praia, sandálias e outros artigos de merchandising. O verão 2005/2006 respirará a Rio 40 graus.

O maior empecilho para alavancar os festejos, encontrar um cópia em estado de conservação razoável ou mesmo os negativos do filme, já foi resolvido. Em função da perda total da cópia depositada na Cinemateca Brasileira, Nelson vasculhou arquivos em todo o mundo e encontrou um inter-positivo do filme, extraído do negativo original, depositado na Cinemateca de Praga, na República Tcheca. A Labocine, o mais importante laboratório de revelação do país, que recuperou outros títulos do cineasta, como Vidas secas (1963) e Um azilo muito louco (1970), ficará responsável pela restauração do inter-positivo e pela confecção da nova cópia.

Carlos Helí de Almeida

 

 

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