Bezerra da Silva dia 9 de março de 1927

José Bezerra da Silva (Recife, Pernambuco, 1927 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005). Cantor, ritmista, compositor. Criança, canta coco e toca zabumba em Recife e aprende a tocar trompete. Pressionado para aprender um ofício, ingressa na escola da Marinha Mercante, de onde é expulso depois de dois anos. Entre 1942 e 1945, muda-se para o Rio de Janeiro, onde trabalha como pintor de paredes. Residindo no Morro do Cantagalo, toca tamborim em pagodes e entrosa-se com músicos de samba. Em 1950, o compositor Doca leva-o para tocar na Rádio Clube do Brasil, atividade que alterna com o trabalho na construção civil.

Sem encontrar ocupação, vive por sete anos como mendigo nas ruas do Rio. Readquire endereço fixo em 1961, quando passa a viver na favela do Parque Proletário da Gávea, voltando a trabalhar no rádio e na construção civil. Também atua como ritmista em discos de sambistas, como Clementina de Jesus (1902-1987) e Roberto Ribeiro (1940-1996), e começa a compor. Na voz de Marlene (1922-2014), “Nunca Mais” [parceria com Norival Reis (1924-2001)] ganha o concurso de carnaval da Rádio Nacional em 1965. Passa a cantar em rádios e lança seu primeiro compacto em 1969. Em 1970, grava seu primeiro LP, Bezerra da Silva: o Rei do Coco, volume 1, lançado em 1973, seguido pelo volume 2 (1976).

Em 1977, integra, como percussionista, a orquestra da Rede Globo, o que lhe permite abandonar o trabalho de pintor. No mesmo ano, lança, em parceria com Genaro, seu primeiro disco de samba, Genaro e Bezerra da Silva Partido Alto Nota 10, que alavanca a carreira de intérprete. Grava Bezerra da Silva Partido Alto Nota 10 – volume 2 (1979), que traz seu primeiro sucesso [“Pega eu” – Criolo Doido (1940)], e Bezerra da Silva Partido Alto Nota 10 – volume 3 (1980).

Entre 1981 e 1993, grava um álbum por ano pela RCA, que lhe rendem 11 discos de ouro, três de platina e um de platina dupla¹. Nessa época, firma-se como intérprete de compositores desconhecidos, autores de seus principais sucessos, como “Malandragem Dá um Tempo” (Popular P, Adelzonilton e Moacir Bombeiro), “Sequestraram Minha Sogra”(Rode do Jacarezinho, Sarabanda e Barbeirinho do Jacarezinho) e “Overdose de Cocada” (Dinho e Ivan Mendonça).

Em 1995, com Moreira da Silva (1902-2000) e Dicró (1946-2012), lança Os Três Malandros in Concert. Na última década de vida, lança mais dez álbuns por diferentes gravadoras, um deles ao vivo, e o último, independente, com repertório gospel, Caminho de Luz (2004).

Análise

Bezerra da Silva é um dos últimos representantes da linhagem de “sambistas malandros”, escolado na síncopa do coco nordestino. Alia a tradição do partido alto, originada no início do século XX nos redutos baianos do Rio de Janeiro, a um filão mercadológico inaugurado por ele e seu parceiro Dicró, o chamado sambandido. Compostos por gente simples do morro, os sambas que interpreta são crônicas da vida nas favelas cariocas, tratando da criminalidade, da violência e da vida precária de seus moradores com linguagem irreverente e coloquial. São frequentes as referências às drogas, como em “A Semente” (Walmir da Purificação, Tião Miranda, Roxinho e Felipão); à delação, tema de “Defunto Caguete” (Adelzonilton, Franco Teixeira, Ubirajara Lúcio); ou aos políticos, satirizados em “Candidato Caô Caô”, (Walter Meninão, Pedro Butina). Por conta dessa temática, enfrenta problemas com as autoridades, para quem letras como “Malandragem Dá um Tempo” (“Vou apertar/ Mas não vou acender agora”) incentivam o consumo de maconha. Longe de fazer apologia às drogas ou ao crime, as letras evidenciam estratégias de sobrevivência dos excluídos numa sociedade injusta e racista, denunciada em letras como “Preconceito de Cor”:

A lei só é implacável pra nós favelados
E protege o golpista
Ele tinha que ser o primeiro da lista
Se liga nessa doutor.

Sua trajetória é marcada pelo estigma da marginalidade. É preso várias vezes “para averiguação”, despejado nos anos 1970 de seu barraco na Vila Proletária da Gávea pela polícia, que o transfere para Cascadura, e salvo duas vezes pela religião. A primeira, quando sai das ruas após frequentar, por quatro anos, um terreiro de umbanda; a segunda, nos últimos anos de vida, quando se torna evangélico. Suas experiências identificam-se com os sambas que interpreta. Estes atualizam a figura do malandro, visto não de forma romantizada, como no samba dos anos 1930 e 1940, mas adequado à realidade das grandes cidades brasileiras que se tornam mais violentas a partir dos anos 1970. Ao contrário da visão cultivada pelas elites, que desprezam suas músicas, o malandro cantado por Bezerra da Silva é aquele que sobrevive à guerra social dos morros sem se tornar bandido.

Embora aproxime-se da chamada “velha guarda” do samba, Bezerra da Silva não compartilha da estética “de raiz”, que defende a pureza e a autenticidade do gênero pela retomada de sucessos do passado. Tampouco se aproxima do pagode dos anos 1980, promovido por músicos como Almir Guineto (1946), Jorge Aragão (1949) ou Zeca Pagodinho (1959), que retomam a tradição do partido-alto. O sambandido, apesar das muitas semelhanças musicais (o canto falado, a ênfase nos instrumentos de percussão, o uso de melodias-clichês) distingue-se pela temática marginal e a relação (de liderança) estabelecida pelo intérprete com os compositores.

Lançando seus discos em sistemas de som comunitários das favelas, portas de lojas, shows populares e programas de rádio AM, obtém sucesso à revelia da indústria fonográfica. Com esta, mantém uma relação de desconfiança, acusando as gravadoras de maquiar os números da venda de discos. Consumidos nos subúrbios e favelas cariocas, seus sambas são apropriados e ressignificados pela classe média em meados dos anos 1990, quando dois de seus maiores sucessos são regravados pelos grupos de rock O Rappa (“Candidato Caô Caô”) e Barão Vermelho (“Malandragem Dá um Tempo”). O rapper Marcelo D2 (1967), que o homenageia em 2003 no rap “CB Sangue Bom” (“Como diz o meu parceiro Bezerra da Silva/ Eu não preciso fazer a cabeça/ Eu já nasci com ela”), grava, em 2010, um álbum tributo ao sambista (Marcelo D2 canta Bezerra da Silva, ressaltando a crítica social presente em seu repertório. Nos últimos álbuns, Bezerra da Silva aproxima-se de São Paulo, gravando sambas sobre a realidade das periferias paulistas, como “Zona Leste Somos Nós” (Marco Antônio) e “Os DPs de São Paulo” (Capri e Silvio Modesto).

Nota

1 Discos de Ouro, Platina e Diamante são certificações de vendas de discos emitidas pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), criada em abril de 1958. Reúne, entre seus associados, as empresas de produção musical fonográfica em operação no País. Até 2004, os certificados são definidos da seguinte forma: Disco de Ouro (equivalente a 100.000 unidades vendidas); Disco de Platina (250.000); Platina Duplo (500.000); Platina Triplo (750.000) e Diamante (1.000.000).

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