Carnaval como forma de protesto político

“Eu quero é botar meu bloco na rua. Gingar, pra dar e vender.” Quando Sérgio Sampaio compôs essa música, em 1976, com alto teor político embutido, não imaginou que quarenta e três anos depois o Carnaval se tornaria, ele mesmo, um ato político.

 

 

 

Por Alexandre Putti, na CartaCapital:

Essa transformação da festa popular não surgiu agora. O Carnaval de rua vem ganhando força – não necessariamente política – nos últimos anos, principalmente nas grandes capitais. Em São Paulo, por exemplo, o aumento foi de mais de 60% em relação ao ano passado. Maior crescimento comparado com outras cidades.

Essa alta ocorreu ao mesmo tempo em que o Brasil entrou em uma crise política. Passou da crise para o embate e do embate para um quase circo. Nada mais justo, então, que a festa mais famosa do País ganhasse um viés ideológico – que o presidente não nos ouça.

Transformar luta em festa é algo recorrente na nossa história. Quando analisamos a trajetória do samba, do jazz, do rap e do funk, por exemplo, vemos que esses ritmos vieram da resistência nas periferias, a qual as pessoas cantavam e dançavam para terem suas vozes ouvidas.

Assim nasceu a Batekoo, uma festa que traz toda a cultura negra das periferias para as pistas. O projeto nasceu em 2015 na cidade de Salvador. O sucesso foi tanto que logo se expandiu para diversas cidades, chegando a São Paulo e no Rio de Janeiro no mesmo ano.

O produtor e um dos idealizadores do evento, Artur Santoro, conta que a ideia surgiu de uma ausência: a falta de festas negros LGBTs, que tivessem uma proposta interseccional contemplando corpos negros.

A Batekoo virou bloco e esse é o terceiro ano consecutivo que eles vão para as ruas, porém, é o primeiro ano que conseguem um patrocínio. “Nos dois primeiros anos do bloco, tivemos que custeá-lo com o nosso próprio dinheiro. Esse é o primeiro que realizamos com apoio financeiro da Skol”, conta Artur.

“Uma das maiores dificuldades é arranjar apoio financeiro de marcas para concretizar seu bloco. Infelizmente, muitos blocos são cancelados por conta dessa falta de orçamento”, afirma. O bloco da Batekoo acontece dia 09 de março, no Rio.

Ninguém solta a mão de ninguém

Artur sentiu um aumento em relações aos blocos que utilizam seu tema em forma de protesto. No Rio, esse crescimento acontece de uma forma mais tímida, mas quando falamos de Escolas de Samba, a cidade maravilhosa lidera. No ano passado, a Paraíso do Tuiuti denunciou o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff e os ataques aos direitos trabalhistas.

A escola levou para a Marquês de Sapucaí um vampiro com uma faixa presidencial, representando o ex-presidente Michel Temer. A Beija-Flor deu um recado claro contra os corruptos, a intolerância e a violência. A Mangueira não usou sutilezas para criticar o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que apareceu na avenida representado como um boneco de Judas.

Neste ano as críticas continuam na avenida. Veremos enredos criticando a política, a ganância, denunciando a intolerância religiosa e muitas laranjas – afinal, é a cor do atual governo.

Voltando para os blocos em forma de protesto, São Paulo é a cidade que lidera nesse tipo de folia. Só na capital paulista serão 17 arrastões com temas sobre feminismo, luta LGBT, visibilidade negra e muito mais.

Além desses, que carregam a militância em seu tema, existem vários outros que acabam abraçando todas as lutas e se transformam em um espaço diverso de pessoas e ideias. “O momento que o país vive agora exige mais posicionamento, mais autenticidade e mais compromisso social”, conclui Artur Santoro.

Arrastão dos blocos na cidade da garoa

O ano era 2016 e o impeachment da então presidenta Dilma estava sendo discutido no Congresso Nacional. Trinta blocos da cidade de São Paulo resolveram se unir para protestarem contra o afastamento da petista.

Esse encontro deu início ao Arrastão dos Blocos e hoje eles abraçam todas as causas. É o que nos conta a organizadora Lira Alli, que além de fazer parte da produção do Arrastão, promove também o bloco Vai Quem Qué.

Cabem nessa junção de folia com protesto os blocos feministas, comunistas, LGBTQ+, negros e de todos que trazem assuntos sobre a conjuntura nacional e também questões políticas do Carnaval na cidade de São Paulo.

“Desfilaremos e ocuparemos as ruas da cidade de São Paulo num Carnaval defendendo a liberdade, a alegria e a democracia. Traga seu instrumento, sua voz, seu corpo e venha brincar com a gente”, dizem os organizadores.

Esse ano, o desfile do Arrastão dos Blocos acontece no último dia do Carnaval, na noite da terça-feira 5. O local não é divulgado, apenas no boca a boca.

Toda menina baiana

O aumento dos blocos de rua nas principais cidades do Brasil é um fato, algo que pode ser contabilizado pelas inscrições nas prefeituras. Não há como contabilizar se houve um crescimento de blocos que utilizam a folia em forma de protesto, mas eles estão por aí, saindo às ruas para arrebatar foliões que querem se divertir e manifestar em favor de uma causa.

É o caso do Trio Respeita As Minas, bloco de Salvador idealizado em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da cidade. Esse é o primeiro ano que o bloco chega ao Circuito Barra Ondina, principal ponto da capital baiana.

O trio sai nesta sexta-feira 01 de março. A música ficará por conta da cantora Larissa Luz, ao lado de Luedji Luna e Xênia França, no projeto Aya Bass, uma celebração do talento, da força e das vozes de mulheres negras.

Salvador está passando por uma grande transição carnavalesca. O modelo dos grandes camarotes e blocos gigantes, que acabam gerando uma segregação de classe muito forte, está em crise. É o que conta a jornalista Mônica Santana. A baiana assessora alguns blocos da cidade, incluindo o Respeita as Minas, e luta para conseguir mais visibilidade para esses movimentos. “O Carnaval de rua com blocos independentes está cada vez mais ganhando fôlego. Eles acontecem, mas ainda fora do circuito principal”, avalia Mônica.

A divulgação desses blocos também é algo que ainda não acontece como nos outros que desfilam nas avenidas principais. A jornalista conta que só quem é da cidade fica sabendo desses encontros e isso acaba perdendo força.

Por mais que Salvador tenha um bloco feminista ligado à prefeitura, a cidade ainda está longe de ser referência para blocos que carregam uma luta em seu tema. É o que nos conta Adrielle Coutinho. Ela é produtora de eventos e tentou levar o bloco da Batekoo para a capital baiana e acabou não conseguindo por falta de incentivo e patrocínio.

“Não conseguimos porque é uma questão extremamente burocrática aqui em Salvador, caso não tenha apoio de uma grande marca. Tratamos diretamente com o jovem negro e periférico, aqui até pra considerar algo precisa ser higienizado”, conta Adrielle.

Além do Respeita as Minas, Salvador conta com outros blocos que fogem da ótica comercial e trazem questionamentos. É o caso do Ilê aye, Cortejo afro, A Mudança do Garcia, A Mulherada, Filhos de Gandhy só para citar alguns, mas são blocos antigos, que lutam para sobreviver. “O que existe não é um crescimento e sim uma renovação”, conclui a baiana.

As caravanas

O Carnaval sempre foi um motivo para incentivar o turismo pelo país. Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife entre outras cidades são os principais destinos escolhidos para o feriado. E o motivo dessa procura sempre foi quem tem a melhor folia. Nada mais justo.

Com o aumento da festa em forma de protesto, existem foliões que estão definindo seus destinos baseados na militância dos blocos. É o caso da publicitária Marina Sansão, que mora em Piracicaba e decidiu passar o Carnaval em São Paulo para poder participar dos blocos feministas.

“O Carnaval sempre foi um ambiente de muito assédio e não muito seguro para as mulheres. Quando estamos juntas, curtindo a folia, mas também lutando por nossos direitos, eu consigo me sentir segura”, conta.

Com 26 anos de idade, essa é a primeira vez que ela vai passar o feriado na terra da garoa. “Nos últimos carnavais eu fui para o Rio de Janeiro, e agora escolhi São Paulo para conhecer de perto esses blocos”. O bloco que Marina mais quer participar é o Pagu, que aposta na união e na resistência feminina e desfila na cidade no dia 5 de março, na Praça da República.
Assédio é crime

O Carnaval de 2019 é o primeiro após a importunação sexual ter se tornado crime. A Lei 13.718/18 estará em vigor e se alguém praticar atos libidinosos – de cunho sexual, como toques inapropriados ou encoxadas – sem consentimento da vítima pode ter pena de um a cinco anos de prisão.

Se passar por algum tipo de situação de assédio, discriminação ou violência, procure um ponto de apoio da prefeitura e denuncie.

Fonte: CartaCapital

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