Portinari e a força das coisas frágeis (Estudo sobre elemento político na obra do pintor é destaque em coletânea sobre comunismo no País)

Estudo sobre elemento político na obra do pintor é destaque em coletânea sobre comunismo no País

Os 16 artigos que compõem o livro “Comunistas brasileiros – cultura política e produção cultural”, organizado pelos pesquisadores Marcos Napolitano, Rodrigo Czajka e Rodrigo Patto Sá Motta, demonstram que o fazer histórico é um fenômeno sempre em construção. A história pode ser comparada a uma obra aberta: está sujeita a releituras e, até, a acertos de contas. Essa é a sensação que se tem ao ler a coletânea, que retrata importantes momentos da história da cultura brasileira, tendo como recorte temporal, o período entre os anos 1930 e 1980.

“Mestiço” (1934): trabalhadores rurais ganhavam aspecto monumental na obra de Cândido Portinari

Logo de partida, o leitor se depara com sete trabalhos do pintor Candido Portinari (1903-1962). Sua produção reflete um momento da história não apenas da pintura, mas da cultura brasileira. No artigo “Quem é Zé Brasil? – As representações do camponês brasileiro em obras de Candido Portinari”, da pesquisadora Paula Elise Ferreira Soares, é possível perceber os embates ocorridos entre duas vertentes que marcaram, em determinado período, a trajetória da vida cultural do País. As discussões entre os defensores da corrente do projeto nacional popular, ao qual se contrapôs ao das vanguardas, que se encantavam com o projeto modernista, que ora aportava nas terras brasileiras.

A exaltação a um Brasil rural é observada nas obras de Portinari, artista que dedicou grande parte de sua obra a enaltecer a figura, física e subjetiva, do povo brasileiro, em especial, os trabalhadores e os mestiços. Como ele próprio definia sua obra: “Todas as coisas frágeis e pobres parecem comigo”.

Dessa forma, Portinari mostrava um Brasil que em nada se assemelhava ao do projeto de modernidade. “A temática mais recorrente das obras de Portinari foi o trabalhador em sua lida na lavoura”, pontua a autora. Desde que esteve na Europa, em 1930, até o ano de sua morte, em 1962, o pintor manteve-se fiel a essa temática.

“Nas obras de Portinari, encontramos trabalhadores de proporções escultóricas, corpos musculosos, mãos e pés enormes, figuras barrocas que nos expressam força, concretude e uma profunda ligação com a terra”, escreve Paula Elise. O camponês representado por Portinari tinha altivez e ligação muito forte com a terra a qual nunca chegou a ser dono. Mas mesmo assim, mostrava disposição para continuar trabalhando e projetando um amanhã.

Engajamento

A obra de Portinari fala de um período muito particular para a história socioeconômica, política e cultural do País. Além de retratar também seu engajamento com a política, acreditando que poderia com a sua arte, ajudar a mudar o quadro social brasileiro. Sobre seu olhar para o Nordeste, a autora assinala que “antes dos anos 1940 Portinari já retratava retirantes em situação de sofrimento e desespero, contudo, as figuras que se apresentavam na tela eram grandiosas, monumentais, como seus demais trabalhadores”. Mesmo diante do sofrimento, esses homens mostravam que eram resistentes. O artigo analisa um dos painéis da série “Retirantes” denominado “Criança morta”, pintado em 1944.

Os pincéis de Portinari retrataram também homens nordestinos revoltados, ao contrário dos retirantes. De acordo com a pesquisadora, “Portinari entendia que os cangaceiros eram homens vítimas do sistema de terras injusto do Brasil”, mas via também a falta de consciência de classe. Assim, eram homens desprovidos também de solidariedade e “sem compreensão da realidade social, econômica e política que os cercava”. Portinari fez algumas ilustrações para o livro “Os cangaceiros”, de José Lins do Rego, em 1951.

Talvez essa visão sobre a cultura brasileira tenha credenciado o pintor a ilustrar, uma nova edição do livro “Zé Brasil”, de Monteiro Lobato, publicado pela editora Calvino Filho, em 1948. Era a última obra escrita por Lobato, sobre as representações de Jeca Tatu, que, pelos traços de Portinari “em nada se parecia com o franzino camponês desenhado por Percy Deanne, na edição de 1947”. O novo Zé Brasil “era um trabalhador rural monumental, de mãos e pés deformados e corpo robusto”, assemelhando-se aos traços do “Lavrador de café”, pintado pelo artista, em 1934.

Nova luz

Na coletânea, o foco dos pesquisadores centra-se em jogar uma nova luz sobre o emaranhado dos arranjos que formaram os diversos mosaicos da vida e da política cultural brasileiras naquele período. Foi um tempo marcado por embates de ideias. Nos campos político, socioeconômico, cultural, com direito a choques de geração. Os autores analisam as artimanhas que marcaram a entrada do País num projeto cultural, tendo como pano de fundo os meios de comunicação de massa e, consequentemente, o consumo. O teatro, as artes visuais, a literatura, a participação da imprensa, o cinema, o rádio e a TV são outros temas estudados na obra.

IRACEMA SALES
REPÓRTER

Livro

Comunistas brasileiros:
Cultura política e produção cultural
Marcos Napolitano, Rodrigo Czajka e Rodrigo Patto Sá Motta
Editora UFMG
2013, 362 páginas
R$ 58

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