Patrimônio Cultural

 

Os edifícios são a expressão mais clara de um povo em determinado momento histórico e são exemplos da sua forma de viver, da técnica disponível e de manifestação artística. Por constituírem criações mais duráveis do que as outras manifestações culturais, muitas vezes abrigando ou incorporando outras artes como a escultura, a pintura, o mobiliário e manifestações de caráter popular, as edificações constituem a grande maioria dos bens tombados, mesmo aqueles que o são apenas pelo seu significado histórico.

No Brasil, a defesa desse patrimônio, quando é de interesse nacional, é atribuição da União, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). De acordo com a Constituição brasileira, cabe também aos Estados e aos Municípios a preservação, em seus respectivos âmbitos, tanto dos bens de interesse local ou regional como, evidentemente, dos de interesse nacional. Para tanto, assim como acontece em nível federal, também os Estados e muitos Municípios possuem seus próprios órgãos de preservação. Isto faz com que o número de bens significativos tombados cresça muito e é uma medida de proteção para evitar a descaracterização ou como reconhecimento e fator de destaque do valor excepcional ou histórico dos bens.

Os apogeus econômicos ou políticos regionais propiciaram manifestações culturais pujantes (muitas vezes se sobrepondo e eliminando outras anteriores), sendo preservados os conjuntos que, por alguma razão, ficaram à margem do fluxo de novos ciclos de desenvolvimento, ao decair o anterior. Também se preservaram edifícios que, por sua própria natureza, mantiveram sua função original inalterada, como igrejas, fortificações e alguns edifícios públicos. De outros, ainda, restam ruínas, testemunhos históricos às vezes até dos fatos que causaram sua destruição. Destacam-se, reconhecidos como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, a cidade de Olinda, em Pernambuco, o Centro Histórico de Salvador, na Bahia, a cidade de Ouro Preto, o Santuário de Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas do Campo, e a cidade de Diamantina, todos em Minas Gerais, as ruínas das Missões, no Rio Grande do Sul, a cidade de São Luís, no Maranhão e a capital do País, Brasília, além dos patrimônios naturais do Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, e o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná.

A miscigenação do português com o índio e depois com o negro, as invasões holandesas e francesas, o domínio da Coroa espanhola e, mais tarde, a imigração, principalmente italiana, alemã e japonesa, caldeiam culturas diversas para a formação da etnia brasileira. Em conjunção com as diferentes condições ambientais, essa mistura cultural resulta na diversidade de técnicas e agenciamento dos espaços, tanto urbanos como edificados. A arquitetura européia importada (e demais artes) é amorenada por este cruzamento cultural, o que lhe confere, em todos os períodos, uma identidade própria e um tratamento original, que a distingue.

A ocupação do território se deu ao longo da costa, pela extração da madeira e o cultivo da cana-de-açúcar, e de acordo com as limitações impostas pelo Tratado de Tordesilhas. Em direção ao interior, a penetração foi motivada principalmente pelo aprisionamento de índios, em São Paulo, pela criação de gado, na Bahia, pela mineração, em São Paulo (Vale do Ribeira), Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Bahia (Serra de Jacobina e Chapada Diamantina), pela catequese e ação “civilizatória” dos missionários e pela intenção de conquista de território, tanto ao Sul como ao Norte. Deste processo resultaram grandes núcleos ilhados, divorciados entre si, no Norte, Nordeste, Centro-oeste, Centro-sul e Sul, que somente irão se integrar efetivamente, física e culturalmente, no século XX, com a construção de Brasília, a política de abertura de estradas e o desenvolvimento dos meios de comunicação.

No período colonial, este isolamento potencializou a identidade regional, marcando todas as manifestações culturais. De modo geral, apesar de manterem uma matriz cultural comum, quanto mais afastadas da costa e, portanto, menos diretamente afetadas pela influência européia, maior originalidade estas manifestações apresentam. Por outro lado, o descompasso na ocupação e desenvolvimento das regiões ocasionou a concomitância de estilos e técnicas primitivas com outros da mais atualizada contemporaneidade.

São singelas as primeiras construções, reflexo da vida rude dos pioneiros, e relativamente poucos exemplos remanescem. Como organização urbana, a maior parte se desenvolve espontaneamente ao longo dos caminhos, excetuando-se as vilas fundadas por determinação da política oficial de colonização, que procuram obedecer às Ordenações do Reino, com a igreja fazendo face à casa de câmara e cadeia, em lados opostos da praça, onde se situa o pelourinho, que define o traçado ortogonal das ruas.

Na câmara, conviviam os poderes executivo, legislativo e judiciário, com seus vereadores e juizes eleitos, na única faceta democrática do absolutismo português; na igreja, o poder espiritual, sobretudo repositório da cultura erudita, e a escola; na praça, local de reunião e convívio, imperava o pelourinho, símbolo da repressão onipresente. Não obedecem a este modelo as reduções jesuíticas dos Sete Povos das Missões onde, paralelamente a uma estrutura socialista/teocrática, foram organizadas as cidades de um urbanismo sofisticado, com funções urbanas definidas, extremamente competente e avançado para a época.

A arquitetura portuguesa (ou ibérica) transplantada, incorporando influências da arquitetura árabe e mesmo do distante Oriente, se tropicaliza com beirais que se alongam para proteger as paredes de taipa das chuvas, as varandas e alpendres que se desenvolvem por coerência com o clima e os puxados e senzalas que o modo de vida impõe, moldando a arquitetura brasileira, tanto urbana como rural. Com o enriquecimento dos colonos, as construções se ampliam e sofisticam, deixando-nos monumentos admiráveis. As igrejas cobrem-se de talhas que vão do barroco ao extremado rococó em verdadeiros rendilhados, obra de artífices locais que adotam motivos nativos.

No século XVIII essa evolução toma novo rumo por influência da cultura francesa, introduzindo-se aos poucos, mescladamente, o classicismo, que se firma após a Missão Francesa, trazida por D. João VI. Curiosamente, o classicismo brasileiro incorpora a linguagem cabocla (também nas artes plásticas), que se nota até nas obras de Grandjean de Montigny, arquiteto chefe da Missão. No século XIX, temos ainda a influência na arquitetura da indústria européia, principalmente inglesa, mormente pela importação de elementos estruturais metálicos pré-fabricados para a construção de edifícios institucionais – teatros, mercados, estações de estradas de ferro, viadutos etc.

No final do século XIX impera o ecletismo, espécie de “vale tudo” decorativo no qual, contando com novos recursos técnicos, transborda licenciosamente a criatividade dos mestres e arquitetos da época, chegando a exageros que lembram uma concepção barroca, utilizando, ao mesmo tempo, elementos

decorativos clássicos, tradicionais ou inventados. A pintura e a escultura colaboram com o academismo decorativo. Esse período, com rápidas incursões pelo art nouveau e art déco, abre o caminho para a renovação das artes e da arquitetura brasileira no século XX.

Dárion Ricardo Lorenço

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