Festival do Folclore de Olímpia

Quando eu cheguei
na cidade de Olímpia
encontrei tudo enfeitado
como uma noite de Natal…

É com esta música que o Guerreiro de Carapicuíba, um grupo folclórico criado pelo alagoano José Juvená, saúda Olímpia, cidade que fica entre Barretos e São José do Rio Preto, a 422 quilômetros de São Paulo e que, anualmente, comemora com um festival, o mês do folclore. Lá, a quietude e a tranqüilidade dos dias normais, dão lugar a um movimento cultural intenso durante a semana do folclore. A cidade se transforma, ganha um ar de festa. Faceira, ela se enfeita e se prepara para receber os grupos folclóricos do Brasil inteiro que ainda resistem e se reproduzem no asfalto da cidade e na poeira do sertão.

Eles chegam aos poucos, são recebidos nas praças, nas escolas, pelas autoridades e famílias olimpienses.

São grupos de moçambiques, congadas, batuques, fandangos, reisados. Chegam cansados, mas nos alojamentos não perdem tempo. Ensaiam músicas e danças que um dia fizeram parte do repertório das festas dos seus antepassados, depois se exibem pela cidade, cada qual aguardando a sua vez de subir no palanque armado do Ginásio de Esportes, Vera Maria Toledo, do centro Comunitário. Anteriormente os grupos se apresentavam na praça da Matriz de João Batista, mas como ela ficava quase que destruída depois da festa, as manifestações foram transferidas para o Ginásio, onde um parque de diversões é montado especialmente por ocasião do festival e barracas ao redor oferecem refeições completas, petiscos, doces, quentão, artesanatos, cervejas e refrigerantes. É uma manifestação popular em sua totalidade. Com bailados, danças, ritos, recreação, tradicionais brincadeiras infantis e bailes típicos.

“Olímpia, cidade-moça
cidade de seresteiro
mostrando a brasilidade
do folclore brasileiro…”

Em uma pequena barraca a vitrola toca um compacto simples, gravado por Tonico e Tinoco. A música fala de Olímpia, cidade-moça, mas que também já foi noiva sertaneja e que, hoje, ostenta com orgulho o cognome de Capital do Folclore, adotado oficialmente em 18 de abril de 1977, depois que Ático Vilas Boas da Mota, uns dos maiores incentivadores do folclore nacional, sugeriu a um deputado federal que levasse à Brasília o pedido de que Olímpia fosse consagrada no país como a Capital do Folclore. Dele também partiu a sugestão de se adotar o nome de Folclorística para os estudos relacionados com o folclore enquanto ciência.

“Se Olímpia conseguiu, ao longo destes 20 anos, ser conhecida e respeitada como a Capital do Folclore, foi graças a persistência de José Sant’anna que mobilizou na cidade, e em torno dela, no estado e no país, todo um interesse e um redespertar para as nossas coisas”, comenta o professor Ático.

José Sant’anna é conhecido na cidade inteira e por todos os grupos que chegam. Carinhosamente ele é chamado de professor Santana e seu nome faz parte das toadas dos festeiros e das rezas das benzedeiras. Sem ele, a impressão é que se tem não existiria o festival de olímpia. É como se ele fosse o capitão dos capitães dos congadeiros, o mestre dos mestres das folias de reis. O professor se confessa um apaixonado pela cultura popular e, por esse motivo, dedicou sua vida inteira ao folclore. Suas heranças (do pai e da mãe) e uma chacára foram aplicadas para sustentar o festival desde 1965, ano em que, depois de estudar e pesquisar metodicamente o assunto, resolveu levar as manifestações para a rua. Na época, foi taxado de louco, débil, irresponsável, principalmente de ter apresentado o grupo de moçambique que as pessoas confundiram com umbanda e baixo-espiritismo nas ruas. Hoje, esses grupos não só foram assimilados pela população como também o trabalho de José Sant’anna prosseguiu através dos professores de Olímpia que resolveram aproveitar nas escolas o autêntico folclore, mas de uma maneira sofisticada e artística. Nascia assim o parafolclore- o aproveitamento do folclore na educação, na arte e na cultura.

Sua paixão pelo tema começou com idade de 15 anos. Antes sentia aversão pelos grupos folclóricos da cidade onde nasceu e residia, no Distrito de Ribeiro dos Santos, município de Olímpia. Até hoje ele se lembra da primeira toada que ouviu: “Abre a porta e acenda a luz.” “Era a festa de Santo Reis”, conta, “a gente acordava assustado com aquilo, mas o que me metia mais medo era a presença dos mascarados, dos palhaços. Se era de dia, eu saia correndo e ia me esconder nos canaviais, mandiocais, embaixo do paiol. Se era de noite, eu tinha perturbações. Sonhava que os mascarados me perseguiam. Só comecei a descobrir esses grupos, depois que precisei entender a cultura do povo para melhor entender a cultura erudita.

Além disso, se nós abandonarmos a cultura dessa gente (os grupos são formados por pessoas pobres), ela tende a desaparecer principalmente no que tange aos folguedos”.

Os festivais de Olímpia têm uma função didática, de aguçar nas crianças e adultos a inteligência para perceberem o universo amplo do folclore, opina o professor Ático, “mas é preciso lembrar”, diz ele, “que no festival o que existe é um efeito do folclore autêntico. É o meta-folclórico, não é o folclore na sua vivência diária, do calendário, do ciclo anual. É um fenômeno parafolclórico porque explora a parte audiovisual e também porque representa somente alguns setores do folclore. As superstições, os contos de fadas, os acalantos e os provérbios não são representados. Teriam que ser captados na sua pureza e na sua inteligência, dentro da vivência diária”.

Tem andança do divino
samba toco do Pará
rodeios do Mato Grosso
e seresta de Natal
o coco do Ceará…
É Olímpia do folclore
É o Brasil tradicional

Enquanto na vitrola a música de Tonico, Bibi e Milton José continua tocando, no palco, o prefeito Wilson Zangirolami abre o primeiro dia de festa ao entregar a chave da cidade ao patrono do festival, o curupira. De acordo com a lenda, o curupira é um menino de cabelos avermelhados, corpo peludo, dentes verdes e pés virados para trás. Ele é o protetor das florestas, matas e bosques, por isso foi escolhido para proteger Olímpia durante as comemorações do folclore.

O FOLCLORE NO SEU DIA DE AÇÃO DE GRAÇAS

Domingo, dia 19. O olimpiense acorda com a alvorada de músicas e fogos de artifício. Hoje é o ponto máximo do festival. As casas e alojamentos se transformam em camarins. Os vestidos coloridos são passados e cuidadosamente pendurados. Flores de papel colorido enfeitam instrumentos espalhados pelo chão, espelhinhos dos chapéus servem para os últimos retoques na maquiagem. Os homens se pintam, usam brincos, arrumam o turbante na cabeça. Diferentes dos travestis carnavalescos, aqui não há lugar para preconceitos, nem tempo para se pensar nisso. O que importa é brincar, dançar, cantar. Mas com muito respeito porque tudo é sagrado. Uma multidão de pessoas vindas de toda a parte vagueia pelas ruas, tomam conta da praça, procuram o melhor lugar para assistir ao espetáculo. O povo da cidade se reúne nas janelas, nos portões, nas calçadas de suas casas, atento, envolvido por uma atmosfera mágica, criada pela apresentação dos grupos de colorido intenso. As ruas recebem levas de foliões vestidos como seus ancestrais em dia de festa. É uma festa de devoção mas que, no final, vira divertimento.

O grupo coreográfico do SESI de Fortaleza, Ceará, puxa o desfile. Durante toda a semana, este grupo, apesar de não ser autêntico, dançou todas as noites no palco do Ginásio, apresentando vinte e cinco tipos de danças. Agora, na rua, seus dançarinos vão repetindo estas danças: maxixe, baião, xote e coco são alguns dos ritmos apresentados.

O grupo de capoeira Praia de Amaralina de São José do Rio Preto, desfila em seguida. A luta se transforma em dança ao som de cantos, berimbaus, pandeiros, palmas. A capoeira se mistura com o fandango de tamancos de Capão Bonito, com a dança de São Gonçalo e a folia de reis de Bebedouro.

Sou velho demais
E ela é um brotinho
Por que saudade
Não sai do meu caminho

Canta Umerson Alex Rosa, de sete anos, filho do capitão Custódio Eugênio Rosa, da congada Marinheiros da Prata, de Pratápolis, Minas Gerais.

“Assim como meu pai deixou pra mim, eu deixo a congada para o meu filho”, comenta o capitão. Todos os integrantes estão vestidos com fardas de marinheiros. Alguns usam óculos escuros, escondendo talvez uma tristeza, uma saudade, como diz a música:

Saudade me deixa
Me deixa em paz
Porque estou sofrendo
Sofrendo demais.

Cada grupo que passa recebe aplausos da população, como o Reisado Sergipano, do Jardim Primavera Guarujá. O mestre Zacarias de Matos afirma que, apesar de morar no Guarujá, seu reisado é autenticamente sergipano, de São Cristóvão, cidade onde ele nasceu há quarenta anos. “Lá, no dia 6 de janeiro, se enterra o boi, depois, às quatro horas da madrugada, se desenterra e guarda para o próximo ano. Nesta hora todo mundo se despede e recebe flores de presente. Aqui em São Paulo a festa é o ano inteiro”, conta o mestre Zacarias, que trabalha como vigia noturno e teve que suar muito para conseguir os Cr$ 795.500,00 que precisou para vestir o grupo, “mesmo assim ficaram faltando Cr$ 42 mil para a cobertura do boi”, desabafa.

O tema da ressurreição também aparece na apresentação do Guerreiro Pernambucano, um grupo que mistura antigos autos populares dos reisados e caboclinhos de Alagoas. Os personagens são os mesmos do reisado: o rei, três rainhas, embaixadores, general, Mateus, palhaços, Catirina, boi, caboclinho da lira, borboletas, estrelas, lira, sereia e outros.

Seu mestre, José Juvená, bem humorado canta uma embaixada:

No tempo em que eu luxava
Carcaça um par de chinelo e
Um paletó todo amarelo com as
Costas toda rasgada
A cama que eu me deitava
Era um patedé de cimento
Feio, sujo e fedorento
O dinheiro que eu ganhava
Gastava com a cabocla
Que pra comprar uma roupa
Era os amigos que dava.

Ele faz piada da própria condição do seu Guerreiro, que não tem dinheiro pra comprar uma roupa nova custando por volta de 40 mil cruzeiros. Mesmo assim, os trajes, apesar de velhos, são ricos, cheios de enfeites. Imitam antigos trajes dos nobres do Brasil-Colônia. Usam fitas coloridas , colares, contas, coroas, diademas, calções, mantos. Os vestidos das meninas são de cetim azul celeste. Os chapéus são ricamente preparados, com espelhos, medalhinhas, correntes, lantejoulas, tecidos floridos, cetim vermelho, enfeites de árvores de Natal. Alguns imitam coroas, outros são reproduções de fachadas de igrejas, com as suas torres. Os espelhos não são simples enfeites. Têm uma finalidade mágica. Funcionam como um amuleto, servem para o choque de retorno: todo mal, os mau-olhados, os mau-desejos que baterem nos espelhos, voltarão contra quem os desejou. O tema da ressurreição aparece quando morre um personagem e depois por ocasião da morte do boi, que representa a vida, a morte e a ressurreição.

O Caiopó de Campestre, Minas Gerais apresentou um ritual que mostra como foram os primeiros contatos do branco com o índio. Seus integrantes se vestem com roupas que imitam índios, feita de capim barba-de-bode ou capim membeca. Os colares são de pena de galinha de angola e as partes descobertas do corpo são pintadas de azul. Ao som da viola, tambor, caixa, pandeiro, reco-reco e matraca eles dançam na avenida. Mas, em frente ao palanque, os caiapós param o batuque. É hora de mostrar o ritual, de relembrar o episódio ocorrido na fase de colonização lusitana, quando um curumim foi raptado pelo homem branco.

Uma buzina tocada pelo chefe do grupo, comunica que é hora de recuperar o curumim raptado. A tribo suplica ao Pajé para achá-lo com as suas artes mágicas. Após o reencontro do curumim com a tribo, a dança continua.

Olímpia é terra boa
De gente hospitaleira
Nós viemo de Sergipe
Pra honrar sua bandeira

A parte mais emocionante de toda a festa é quando uma saraivada toma conta da praça. São os bacamarteiros, conjunto de homens portando armas rudimentares chamadas bacamartes. Os tiros de festejos acontecem sempre em manifestações populares e a munição é de pólvora caseira, doméstica, tirada de uma árvore nordestina chamada umbaúba. O carvão leve é misturado com nitrato de potássio, limão e cachaça. Tudo é pisado no pilão por várias horas. Depois, o resultado é colocado em cabaças e prontos para serem usados. O Batalhão de Bacamartes de Carmópolis, Sergipe, foi fundado por volta de 1780, na época do cativeiro, onde negros e brancos formaram este folguedo para se divertirem

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