Comentário crítico de Eliane Bastos sobre as músicas

Em seu texto Eliane Bastos mostra com criatividade e elegância o uso do hassápiko grego na canção “Girl”, de Lennon e McCartney. Sua breve análise é bem informada e ajuda a evidenciar elementos que muitas vezes passam despercebidos na crítica de música popular”.
Sidney Molina – violonista do Quaternaglia e crítico da Folha de S. Paulo

Comentário crítico

Músicas “Girl”(Lennon/McCartney) e “Ax Koritsi mou” (Serkos/ Kosmas)
Maria Eliane Ribeiro Wolff Filidis (Eliane Bastos)
Pós‐graduação em Musicoterapia
Estética da Música em Musicoterapia
Professor Sidney Molina

A Grécia deixou várias contribuições nas ciências e também nas artes, incluindo a música. Entre as modernas contribuições está o hassápiko, conhecido mundialmente através do filme “Zorba, o grego”, com ênfase na figura da dança. Várias histórias surgiram e ainda surgem quando se trata de grupos, filmes e atores famosos e uma delas relata a ida de Paul McCartney à Grécia na década de 60, quando teve contato com George Zambetas, um dos maiores compositores da música grega. De Zambetas diz‐se que colocava no instrumento chamado buzúki ritmos e melodias belíssimos; sobre Paul é dito que quando do seu retorno teria trazido o hassápiko, compondo algumas músicas sob a influência da sonoridade da música grega. Dentre elas destaca‐se “Girl” do álbum “Rubber Soul” de 1965. A busca constante pelo novo e por maneiras criativas de apresentar sons diferentes é uma marca bastante presente nas produções dos Beatles. “Rubber Soul” é um álbum que mostra não apenas a maturidade da banda mas também o resultado de trabalhos inspirados em culturas diferentes e que chegou ao Brasil com o movimento chamado de “beatlemania”.

Existem várias músicas gregas com o ritmo hassápiko que poderiam ser tomadas aqui como base para esta comparação. Dentre elas existe uma em particular que leva, em grego, o título de “Ax Koritsi mou” traduzida para o português como “Ah, minha garota”, cuja letra fala da existência da figura de alguém sentindo a falta de outro. A referida figura, ora associada a uma mulher ora associada à cocaína (segundo diferentes interpretações dadas à composição), está no feminino e para ela diz‐se “fique” ou “não vá embora” e caso isso aconteça, quando voltar jamais o poeta a deixará partir novamente. Não é na letra apenas que existe similaridade com as composições escolhidas mas também no ritmo, na divisão quatro por quatro, no
respirar em contratempo que embala os corpos na dança. O hassapiko foi absorvido pelo movimento cultural grego chamado “Rebétika”, inicialmente associado às classes mais baixas e que tornou‐se um dos mais populares e aceitos na Grécia, principalmente pelos jovens na década de 60.

Como se não bastasse o ritmo, encontramos nas frases finais da composição inglesa dois instrumentos com timbres que fazem lembrar o “buzúki”, instrumento típico grego de quatro cordas de metal e seus respectivos pares agudos. Este instrumento está evidenciado em quase toda execução da música “Ax Koritsi mou”. Apesar de ser uma composição recente (2001), está estruturada conforme os antigos hassápikos onde ritmo, melodia e corpo estão muito próximos. Tanto em “Girl” como em “Ax Koritsi mou”, passando pela versão “Meu Bem”, gravada no Brasil pelo cantor Ronnie Von, podemos observar o caráter de intenso sentimento, quase dramático, que o povo grego traz consigo e expõe através das artes. O compositor Manos Hatzidakis faz a junção de 3 elementos dentro desta expressão sentimental: amor, alegria e tristeza ou “meráki” (μεράκι), “kéfi” (κέφι) e “kaimós” (καημός). Caso a letra seja ocultada, com intuito de observação e pesquisa, ainda assim pode‐se encontrar a transmissão destes sentimentos, sendo natural que “Ax Koritsi mou” ocupe um destaque neste caso pois é a que representa a tradição de um povo. No caso dos gregos, uma tradição quase divina, uma vez que na Antiguidade eles atribuíam como oriundo dos deuses este presente: música e dança.

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