As múltiplas faces de Mário Lago

Em sua última entrevista ao Jornal do Brasil, Mário Lago afirmou que estava certo de que viveria até os 100 anos de idade, pois o tempo selara com ele o acordo de não persegui-lo incessantemente. Não foi assim. Morreu em 2002, poucos meses depois dos 90 anos, mas deixou um legado imortal. Em homenagem a este artista completo – que atuou na música, no teatro, no cinema e na escrita – a exposição Lago eu sou – Um homem do século XX entrou em cartaz nesta terça-feira (27/03), com curadoria de Mário Lago Filho.

“O amor de papai pelas artes veio de família. Desde cedo, ele frequentava o teatro para levar recado ao vovô, que era maestro. Isso proporcionava a ele uma visão das obras musicais a partir da coxia”, relembra o filho, homônimo do artista.

Apesar da educação exemplar e um tanto erudita – filho de músico, aluno do Colégio Pedro II e formado em Direito pela UFRJ –, Lago sempre seguiu um caminho popular, escrevendo versos e frases que marcaram a cultura brasileira. O artista compos canções que se tornaram quase hinos – a exemplo da marchinha Aurora e da música Ai que saudades da Amélia – e fez sucesso no cinema e na televisão, em filmes como Terra em transe (1967), de Glauber Rocha, novelas como O clone (2001), sua última atuação. Toda essa pluralidade está presente na mostra no Arquivo Histórico Nacional.

Como Mário Lago Filho o define? “Uma pessoa comum, só que também um artista brilhante”. Era um ser social, adorava o contato humano – e isso ficou evidente em seus ideais comunistas. Das muitas frases que escreveu, uma delas diz “Eu era Partido, não era do Partido. Nunca assinei ficha de fliação. Sou marxista comunista autônomo”. À militância deve sete prisões: 1932, 1941, 1946, 1949, 1952, 1964 e 1969. “Eu vivenciei as três últimas prisões dele, e na primeira tinha por volta de oito anos. Toda vez que íamos à cadeia, ele tratava de organizar seus colegas de cela, distribuindo tarefas e compartilhando comidas e objetos – era um socialista autônomo”, lembra Filho.

Uma foto de Mário Lago fichado pela polícia foi incluída na exposição. “Na mostra, deixamos que Mário Lago se apresente através das frases e versos sobrepostos às fotos”, explica o curador. O objetivo é mostrar como ele estava inserido na sociedade e como ajudou a construí-la. Como ele mesmo costumava dizer: “o que importa é minha moldura…eu só existo com os lugares em que me inseri”. Mário Filho sintetiza o trabalho: “Conduzimos a montagem em diferentes níveis sensoriais – afetivo, político, linha do tempo – de forma que as pessoas estejam livres para compreendê-lo. Não queremos induzir o visitante a interpretações, até porque eu já tenho uma imagem do meu pai. Quero que o público me diga o que entende do Mário Lago”.

Compartilhar:

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*