J. Carlos, o cronista do lápis

Da mesma forma que é necessário recorrer às fotos de Malta e Ferrez para conhecer o Rio do início do século XX, é imprescindível buscar o trabalho de J. Carlos para entender o carioca da primeira metade daquele século.

José Carlos de Brito e Cunha nasceu no dia 18 de junho de 1884. Quando estreou na imprensa brasileira, na revista O Tagarela, tinha apenas 18 anos. Em 1908, ainda um rapaz, estava presente, desde o primeiro número, em uma revista que marcaria época: Careta. Uma de muitas. Como caricaturista, ilustrador ou editor, passou por O Malho, Século XX, Leitura Para Todos, Eu Sei Tudo, Revista da Semana, Ilustração Brasileira, O Tico-Tico, Fon-Fon, A Avenida, O Filhote da Careta, O Juquinha, D. Quixote, A Cigarra, A Vida Moderna, Revista Nacional, O Cruzeiro, Cinearte, A Noite, Lanterna, A Nação, A Hora, Beira-Mar

Em 1921, J. Carlos assumiu a direção das publicações da empresa O Malho, afastando-se a contragosto da Careta. Nessa época, Álvaro Moreyra, seu companheiro de trabalho, escreveu:

“Um dia, decerto, no começo do próximo século, o Rio de Janeiro não possuirá mais a carioca; as raparigas das margens da Guanabara não se distinguirão das raparigas do resto do Planeta: idênticas preocupações, atitude iguais, o mesmo modo de vestir, gravidade, pessimismo… Nesse dia, um curioso de coisas do passado encontrará, nas páginas de uma revista, as figuras de J. Carlos; encontrará a melindrosa, que ele inventou e que constituiu o modelo das nossas lindas contemporâneas.

O Rio de Janeiro de antigamente há de ressuscitar na expressão ingênua e irônica dos olhos que viram os primeiros aeroplanos; nas bocas talhadas à feição de beijos; no ritmo ondulante da carne envolta em sedas leves, luminosas, fugidias. E o curioso sentirá saudades do velho tempo que não conheceu… Velho tempo! Bom tempo! E compreenderá o sentido das praias, povoando-as das imagens guardadas no traço sutil do artista e verá, tal qual não vira antes, a luz das manhãs, a sombra dos crepúsculos, o luar das noites altas. Lenta, a maravilha despercebida se revelará. A cidade romântica, erma das suas transeuntes, voltará à fascinação abandonada… O ente que olhar, daqui a cem anos, as obras-primas de J. Carlos, poderá viver a vida que andamos vivendo…”

J. Carlos amava o Rio, de onde saiu poucas vezes. Isso talvez tenha pesado em sua resposta negativa ao convite de Walt Disney para que trabalhasse em seus estúdios. Disney esteve no Brasil em 1941, lançando o filme Fantasia. Dentre as diversas homenagens que recebeu, havia uma exposição reunindo desenhos dos melhores caricaturistas brasileiros. Em um almoço oferecido pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Disney fez questão de sentar-se ao lado de J. Carlos e o convidou a fazer parte de sua equipe nos Estados Unidos. J. Carlos recusou. Algum tempo depois, enviou a Walt Disney o desenho de um papagaio vestido com o uniforme da Força Expedicionária Brasileira, abraçado ao Pato Donald… É preciso contar o resto?

Foram quase cinqüenta anos de trabalho. Sóbrio, sisudo, pontual, bom pai de família, era completamente diferente do típico profissional de imprensa de sua época. Isso durou até 29 de setembro de 1950. Vítima de um edema cerebral, tombou sobre sua mesa de trabalho na redação da Careta. Morreu, três dias depois, aos 66 anos de idade.

O cronista do lápis, que contou a História e imortalizou os tipos de sua cidade, foi assim lembrado por Genolino Amado: “Realmente, no espírito de J. Carlos parece ter habitado o espírito do Rio. Talvez não possa existir harmonia mais perfeita de alguém com a sua terra, com a sua gente (…) E não poderíamos imaginar tendo nascido noutra cidade. Aquele que pretendia somente graça acabou fazendo História”.

 


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